Título: Diplomados disputam vagas de nível médio
Autor: Marta Watanabe e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Brasil, p. A4

Trabalho Profissionais com curso superior já ocupam 50% dos empregos que exigem qualificação menor

Quando se formou em 1999 na Universidade São Marcos, Lívia de Souza Corrêa acreditava que logo deixaria o emprego de atendente de telemarketing para trabalhar como psicóloga. Nos últimos seis anos chegou a trocar duas vezes de emprego, mas se mantém até hoje em telemarketing, vaga que exige apenas o nível médio completo. Com 31 anos, Lívia já não se candidata mais às ofertas de emprego como psicóloga nas empresas. "Na minha idade já se exige experiência na área e os salários de iniciante não me atraem mais", diz ela. "Eu gastei na faculdade o equivalente hoje a R$ 45 mil. Quero um emprego pelo qual recupere o investimento." Lívia não é um caso isolado. Ela é parte de um número cada vez maior da população que faz faculdade, mas ocupa vagas que exigem qualificação menor. Gerusa Mengarda, gerente de recursos humanos e seleção da Gelre, conta que metade das vagas que exigem apenas nível médio completo, como a de telemarketing, é ocupada por pessoas que têm faculdade. "Os candidatos com nível superior retiram a formação de terceiro grau e até a pós-graduação do currículo na hora de se candidatar a empregos de nível médio", diz Gerusa. "Eles revelam a faculdade apenas na entrevista, mas deixam claro que a qualificação maior não é problema e que estão dispostos a crescer junto com a empresa", diz a gerente da Gelre. O fenômeno, que ficou mais forte desde 2000, reflete uma mudança mais profunda no perfil do trabalhador brasileiro, que está cada vez mais qualificado. Nos últimos 11 anos, no setor formal, que emprega com carteira assinada, o número de trabalhadores com ensino superior aumentou em 31%. Em 1994, 10,9% dos trabalhadores brasileiros tinham o ensino superior completo. Hoje, segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2004, e cálculos do economista Fábio Romão, da LCA Consultores, esse número saltou para 14,6%. O maior tempo de estudo, no entanto, não livrou os trabalhadores com carteira assinada do setor privado de uma queda de renda nesse período. Os empregados com ensino superior completo viram sua renda média ceder 0,13% entre 1994 e 2004, embora o recuo tenha sido menor que a redução de 4,45% nos salários médios recebidos pelos profissionais que trabalham em todo o setor privado. Gerusa diz que a migração de trabalhadores mais qualificados para vagas que exigem escolaridade menor deve contribuir para reduzir ainda mais a renda de quem ficou menos tempo no banco escolar. A gerente da Gelre lembra que, apesar de ocuparem metade das vagas destinadas a pessoas com nível médio, os trabalhadores com nível superior costumam representar apenas 20% do total de candidatos. "Ou seja, embora ainda em menor número, os candidatos com nível superior acabam tendo mais sucesso no processo seletivo e na ocupação de vagas destinadas ao nível médio." A migração tem se tornado tão comum, diz Gerusa, que há até mesmo mudança de tendências na estratégia de carreira. "Antes, as empresas viam os candidatos qualificados demais com maus olhos, pois temiam que se sentissem desestimulados", explica. "Hoje isso é visto como sinal de flexibilidade." O avanço de quem tem faculdade no mercado de trabalho não se restringe ao setor privado. Pelo contrário. O crescimento do número de empregados públicos com graduação avançou 42%, acima dos 31% verificados no geral e da alta de 30% para quem trabalha no setor privado e tem carteira assinada. Hoje, 32,5% dos servidores públicos têm ensino superior completo. No setor privado, o percentual é de 9,6%. A atendente de telemarketing Lívia espera, em breve, engrossar também as estatísticas sobre o setor público. Suas expectativas de mudança de carreira concentram-se nos concursos públicos que pretende passar a prestar. "Vou fazer provas não só para as vagas como psicóloga, mas também para as carreiras que pedem formação superior em qualquer área." Formada em administração de empresas na Faculdade Metodista Granbery , a mineira Mirela Peyroton da Rocha tem planos parecidos. Ela procura desde o fim de 2004 uma oportunidade para trabalhar na área. Chegou a fazer estágio na área de seguros e foi efetivada mas, seis meses depois, foi carregada pela primeira leva de demissões. Desde então trabalhou como auxiliar de escritório e como caixa no comércio varejista, empregos nos quais a sua formação de nível superior teve peso zero. A atratividade da carreira pública tem aumentado ano a ano. "A estabilidade no emprego é uma das razões para isso. Outra diz respeito ao ganho de renda", avalia Romão. Pelos dados da Rais, enquanto um profissional com ensino superior viu sua renda encolher 0,13% de 1994 a 2004, uma pessoa com a mesma qualificação, mas funcionária pública teve, em média, aumento de salário de 19%, já descontada a inflação do período. Nem todos, porém, partem para a carreira pública. A paulistana Elizabeth do Nascimento Ferreira, formada em Ciências Sociais na USP em 1999, quer voltar ao banco escolar. Desde que se formou, após procurar emprego durante dois anos, passou a trabalhar como secretária. "Preciso restabelecer contatos e voltar a ter contato com a minha área de formação", diz ela, que se prepara para fazer uma pós-graduação. Sua idéia é aumentar as possibilidades de atuação com uma qualificação maior.