Título: Na mira de políticos
Autor: Gonçalves, Marcone; Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 17/05/2010, Economia, p. 9

Com eleições à vista, a troca de comando de fundos de pensão de estatais, donos de patrimônio bilionário, vira alvo de disputa entre partidos aliados do governo

A pouco mais de sete meses do fim do seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará ao seu sucessor um legado mais rico e mais poderoso que o Bolsa-Família e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): um conjunto de fundos de pensão de empresas estatais com mais de R$ 262 bilhões em caixa para investimentos. Juntas, essas entidades fechadas de previdência complementar são sócias das maiores empresas do país, muitas delas grandes doadoras de dinheiro para campanhas eleitorais, seja para a Presidência da República, seja para governadores, senadores, deputados e prefeitos. Basta uma pequena análise nos dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para entender o porquê de os principais partidos políticos travarem uma guerra pelo comando das fundações de estatais. Muitas das companhias de capital aberto nas quais os fundos têm participação acionária aparecem como financiadoras de candidaturas. O caso da Previ (veja quadro), dos empregados do Banco do Brasil, é emblemático. Maior fundação do país, é sócia de empresas como Oi, Gerdau, Embraer, Coteminas e Suzano, todas colaboradoras de interessados em cargos eletivos. Com R$ 150 bilhões em ativos, a Previ trocará de comando no fim deste mês, depois de uma disputa fratricida dentro do governo e do PT. O atual presidente Sergio Rosa cederá lugar a Ricardo Flores, vice-presidente de Crédito do BB, depois de perder a batalha com o presidente do banco, Aldemir Bendine. Rosa queria nomear como seu sucessor Joilson Ferreira, atual diretor de Participações do fundo. Na primeira investida, Bendini sugeriu o nome do vice de Varejo do BB, Paulo Rogério Cafarelli, que encontrou resistências no PT. Apresentou, então, o nome de Ricardo Flores, que recebeu o aval do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e foi ratificado por Lula. A troca na Previ será, porém, mais ampla. Além de Flores, foram nomeados Marco Geovanne Tobias da Silva para a diretoria de Participações, e Renê Sanda, para a diretoria de Investimentos. Tal intervenção criou um enorme mal estar na fundação. Rosa se sentiu traído, alegando não ter sido levado em conta os serviços prestados nos quase oito anos em que esteve à frente da fundação. Vencido, ele espera ser compensado com uma diretoria no próprio BB ou até mesmo um posto-chave na campanha da candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff.

Esquema criminoso Desde o governo Fernando Henrique Cardoso os fundos de pensão se viram envolvidos em operações privadas suspeitas, voltadas para abastecer esquemas de doações a políticos e viabilizar o processo de privatização. Na administração Lula, foram apontados como pivôs do esquema financeiro que abastecia o mensalão, definido como criminoso pelo Ministério Público e que teria sido comandado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Para tentar moralizar e modernizar essas instituições, o Congresso aprovou, em 2001, a Lei Complementar 108, fixando regras mínimas para a indicação e a nomeação de diretores das entidades de previdência complementar. Basicamente, a lei deixou claro que, no caso dos conselhos deliberativos, instância de formulação e aprovação das políticas dos fundos, os diretores têm que ser escolhidos de forma paritária pelos participantes do fundo, por eleição direta, e pela estatal que o patrocina. O mesmo, no entanto, não ocorre com os executivos dos fundos. Na maioria das fundações, a escolha dos dirigentes cabe às empresas patrocinadoras. Mas na Previ, na Petros (dos funcionários da Petrobras) e na Funcef (da Caixa Econômica Federal), pelo volume de dinheiro que administram e pelo papel político que podem exercer, as nomeações acabam ficando com o presidente da República. A lei prevê que os administradores tenham ficha limpa, mas não estabelece regras uniformes sobre o perfil, nem determina a duração dos mandatos, que podem variar de dois a cinco anos. Os indicados pela estatal ou pelo presidente podem, no entanto, ser substituídos a qualquer tempo. Para Manoel Moacir, presidente da Ceres, fundo dos empregados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que é cobiçado pelo PMDB, a legislação brasileira não deve nada às nações desenvolvidas no que diz respeito às exigências de boa governança de fundações de previdência complementar. Ele considera naturais as pressões sob a Previ e demais entidades em momento de troca de comando em função da importância das entidades para o desenvolvimento do país. O problema, argumenta, está no desempenhando dos conselhos deliberativos e fiscal, órgãos máximos das entidades. Existe, no Brasil, uma engenharia fantástica de burlar leis. Por isso, nada substitui a participação ativa dos associados dos fundos em fiscalizar seus dirigentes, assinala.