Título: Déficits em conta corrente voltarão, a médio prazo
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Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Opinião, p. A10

Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil registrou saldo positivo nas contas externas. O resultado superavitário da conta corrente, em 2005, cresceu em termos absolutos em relação ao ano anterior - US$ 14,199 bilhões contra US$ 11,711 bilhões-, mas, por causa da valorização do real frente ao dólar, caiu em termos relativos - de 1,94% para 1,79% do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2006, o Banco Central (BC) projeta um novo saldo positivo, embora bem inferior ao do ano passado. A expectativa é que o resultado positivo caia para 0,73% do PIB. Se a economia tiver desempenho melhor que o do último ano, como se espera, as importações deverão crescer, diminuindo o superávit da balança comercial. Isso contribuirá para encolher o saldo positivo das contas externas. A médio e longo prazo, a tendência da economia brasileira é voltar a gerar déficits em conta corrente. O país ainda tem uma economia relativamente fechada. As importações são modestas - algo em torno de 10% do PIB. Seja como resultado de negociações internacionais, seja como decisão unilateral de política comercial ou de estratégia macroeconômica, no futuro, a economia deverá estar mais aberta. Historicamente, o Brasil tem sido um importador e não um exportador de capitais. Com baixa capacidade de poupança doméstica, o país necessita de capitais do exterior para financiar seu desenvolvimento. "Estamos caminhando para ter pequenos déficits (em conta corrente). Economias emergentes precisam de poupança externa para complementar sua pequena poupança doméstica", observa o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. Nos últimos anos, o Brasil, impulsionado pelo forte e constante crescimento da economia mundial, tem vendido muito mais ao exterior do que comprado. O saldo positivo da balança comercial, que em 2005 chegou a US$ 44,757 bilhões, com crescimento de 33% em relação ao ano anterior, foi o item que mais contribuiu para o bom desempenho das contas externas. A solvência externa elimina um dos constrangimentos - as elevadas necessidades de financiamento externo - que, nas últimas duas décadas, foram um dos fatores que impediram a economia brasileira de crescer de forma mais acelerada. Mesmo que a médio prazo os saldos em conta corrente tendam a zerar ou mesmo a ficar negativos, não há razão para inquietações. O importante será a capacidade do país em financiar eventuais saldos negativos. Essa capacidade está intrinsecamente ligada ao desempenho da economia como um todo e ao grau de confiança que investidores domésticos e internacionais devotam ao país a partir da análise de seus indicadores de solvência interna e externa. Em 2005, o volume de remessas de lucros e dividendos também foi recorde. Atingiu US$ 12,686 bilhões, um incremento de 72,88% se comparado a 2004. As autoridades atribuíram o resultado ao aumento da lucratividade das multinacionais e à apreciação do câmbio. Com a valorização da moeda nacional, fica mais vantajoso remeter dividendos ao exterior, na medida em que um mesmo lucro em reais permite a compra de um volume maior de dólares. Trata-se, portanto, de um fator conjuntural. As empresas do setor de serviços foram as que mais remeteram ao exterior no ano passado. Em dezembro, responderam por quase metade das remessas líquidas. Altamir Lopes, do BC, atesta que, novamente, não há razões para preocupação. "Serviços não geram diretamente receita em dólar, mas criam infra-estrutura para exportações de bens comercializáveis", diz o economista. No passado, os analistas viam com grande apreensão as remessas ao exterior. Políticos tachavam-nas de "perdas internacionais". O fato é que as remessas são a contraface do investimento estrangeiro. Em 2005, o Brasil recebeu US$ 15,123 bilhões em investimentos produtivos. É possível prever que, se o país desfizer os nós que hoje travam o investimento e a economia deslanchar, essas inversões aumentarão, provocando, por conseguinte, a elevação das remessas de lucros e dividendos. É algo com que o país terá que conviver e do qual não poderá abrir mão, se quiser financiar seu desenvolvimento.