Título: Falsas promessas de fundos privados
Autor: J. Bradford DeLong
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Opinião, p. A11

Se empresas não oferecem pensões com benefício definido, governos têm que fazê-lo

Uma das estranhas alegações colocadas nos debates sobre seguridade social atualmente em curso nos países mais ricos do mundo é o de que planos de aposentadoria com benefícios definidos bancados por governos (como o sistema de Seguridade Social americano) ficaram antiquados. Esses programas eram bons, diz o argumento, para a economia industrial da Grande Depressão e para a geração pós-Segunda Guerra Mundial, mas tornaram-se obsoletos na atual economia de alta tecnologia em rede, pós-industrial. Os defensores desse argumento propõem um modelo distinto. Assim como as empresas hoje mostram-se muito mais dispostas a contribuir para os fundos de pensão com aportes às contas privadas de seus empregados, da mesma maneira os governos deveriam oferecer (ou exigir) contribuições para contas pessoais. O valor dessas contas flutuaria com o mercado, em vez de basear-se em um esquema de benefício definido que assegura uma soma real fixa de recursos disponíveis no momento da aposentadoria. Esse argumento é estranho porque inverte a lógica da situação econômica. Quando há muitas companhias oferecendo aos trabalhadores planos de aposentadoria de longo prazo com benefício definido, há menos vantagens para o governo em estruturar um esquema paralelo de benefícios definidos e em exigir que os trabalhadores dele participem. Afinal de contas, num mundo assim, os trabalhadores que atribuem grande valor a um plano de pensão de benefício definido podem ir trabalhar para companhias que ofereçam esse tipo de esquemas. Os principais benefícios resultantes de uma exigência de governo de que os trabalhadores também participem de um sistema nacional de Seguridade Social seriam dirigidos a uma categoria de trabalhadores: àqueles que, pela lógica, deveriam preferir um plano de benefícios definidos, mas não foram capazes de determinar suas verdadeiras preferências. Também se beneficiariam trabalhadores relativamente pobres que não dispõem do poder de barganha para induzir seus patrões a oferecerem os planos de aposentadoria que eles realmente querem - e dos quais necessitam. Mas não existem, hoje, muitas empresas dispostas a oferecer planos de aposentadoria de longo prazo com benefícios definidos. Uma razão para isso é que hoje as empresas estão muito mais conscientes de suas próprias fragilidades de longo prazo do que nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial. Nem mesmo a IBM - que se orgulha de sua estabilidade - mostra-se disposta a assumir o risco de oferecer planos de benefícios definidos. No passado, o risco de aposentadorias com benefícios definidos era contrabalançado por duas vantagens para as companhias que ofereciam esse tipo de planos. Em primeiro lugar, há o fato de que, ao deixar uma empresa, o funcionário geralmente sacava o dinheiro de seu fundo com deságio, e isso resultava em maior fidelidade do trabalhador. Em segundo lugar, premissas otimistas de contadores complacentes sobre os rendimentos dos fundos de pensão, aliadas à maior capacidade das grande empresas de assumirem riscos, tornavam mais róseo o quadro financeiro que essas companhias podiam apresentar a investidores.

A emissão de dezenas de milhões de cheques de aposentadoria é o tipo de tarefa rotineira que o governo pode cumprir de forma competente

Hoje os riscos são considerados muito maiores, e os benefícios são julgados menores. Por isso, uma parcela cada vez menor de empregadores está oferecendo qualquer coisa que se assemelhe a planos de benefícios definidos. Esse declínio dos planos de pensão com benefícios definidos no núcleo rico da economia mundial é algo negativo, pois a configuração dos preços dos ativos sugere que trabalhadores jovens e de meia-idade atribuem valor muito grande a pensões de benefícios definidos. Historicamente, o diferencial entre os retornos esperados proporcionados por ativos de baixo risco (como bônus do governo ou de empresas com excelente classificação de crédito) e ativos de alto risco (como ações e ativos imobiliários) revelou-se muito grande. Em certa medida, como argumentam economistas como Robert Barro, de Harvard, e matemáticos como Benoit Mandelbrot, isso pode se dever ao fato de que os investimentos de alto risco são, em verdade, muito mais duvidosos do que sugerem as teorias e a matemática empregada nas estimativas financeiras padrão. Em minha opinião pelo menos, isso em parte deve-se ao fato de a lembrança de anos como 1930 e 2000, quando as ações tiveram um desempenho muito ruim, ocupar um lugar demasiado grande nas mentes dos investidores. Trabalhadores e outros detentores de ativos atribuem um valor muito alto à segurança e previsibilidade, de modo que um plano de pensões com benefícios definidos é extremamente valioso. Mas no mundo atual, somente governos nacionais são suficientemente grandes para ter condições de bancar tais planos com alguma garantia de que os ativos nos fundos estarão efetivamente disponíveis no momento em que os trabalhadores se aposentarem. Sou suficientemente social-democrata para acreditar que, se há um serviço ou benefício econômico extremamente prezado pelos cidadãos e que apenas o governo pode proporcionar, então o governo deveria proporcioná-lo. Nós, economistas, sabemos que há muitas desvantagens em expandir o governo para além de seu papel básico de proporcionar bens públicos verdadeiros, como defesa, segurança pública e justiça, bem como proporcionar aos cidadãos incentivos para contrabalançar os efeitos de verdadeiras deficiências de mercado. Se o mercado privado dispõe da flexibilidade de duas mãos, a burocracia governamental tem no máximo dois dedões. Mas o recolhimento de impostos sobre as folhas de pagamento de dezenas de milhões de trabalhadores e a emissão de dezenas de milhões de cheques de aposentadoria é o tipo de tarefa rotineira e semi-automática que o governo pode cumprir de forma competente. No momento em que as empresas privadas estão se esquivando de assumir programas de benefícios definidos, é ainda mais importante e valioso que os governos assumam esse papel - em nossa sociedade pós-industrial em rede - do que foi no passado.