Título: Falta uma política para administrar o câmbio, diz Campos
Autor: Ivo Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Empresas &, p. B6

O Brasil corre o risco de frear um dos principais motores da economia nos últimos anos, as exportações, que alcançaram níveis recordes, se não adotar uma política que vá além da simples compra de dólar no mercado para equilibrar o câmbio. Esse é um forte temor, afirma José Armando de Figueiredo Campos, presidente da Arcelor Brasil, líder na produção de aços longos e planos no Mercosul. O executivo diz que o governo, como o anterior, preocupado com reeleição, perdeu a grande chance de mudar muita coisa no país. E tudo se complicou com a crise política. Formado engenheiro de minas pela tradicional Escola de Ouro Preto (UFOP), Campos passou pelos quadros da então estatal Vale do Rio Doce de 1974 a 1992, quando foi indicado ao cargo de vice-presidente da recém-privatizada Cia. Siderúrgica de Tubarão. Em 1997 assumiu o comando da CST. Em meados de 2005 foi convidado pelo "board" da Arcelor para capitanear a novata Arcelor Brasil. Em uma maratona de viagens, o executivo, passa dois dias em Vitória, sede da CST e onde reside, dois em Belo Horizonte, base da Arcelor Brasil, e pelo menos um dia visitando clientes ou a fábrica de Santa Catarina. Sua responsabilidade aumentou em dezembro ao ser também nomeado vice-presidente executivo sênior adjunto no comando mundial da Arcelor para a área de aços planos, o que eleva seu ritmo de giros ao redor do mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.

Valor: Os juros afetaram o desempenho das empresas em 2005? José Armando de F. Campos: Sim. Não só os juros, como o câmbio. É bem verdade que o governo tomou a decisão de não arbitrar o câmbio e deixar que os agentes econômicos tomassem o risco. Quando se tem preços administrados, e parte deles é fundamental para exportação, e não tem pelo menos parte do câmbio administrado, fica um pouco complicado. Põe a competitividade do país e toda uma cadeia produtiva em risco. Não acho que temos de ter moeda fraca para exportar, mas não podemos deixar um câmbio tão livre a ponto de afetar uma indústria competitiva. Começa a prejudicar o exportador na ponta, a indústria de base e o investimento. O Brasil precisa de exportação. Boa parte do resultado do país de 2005 veio das vendas ao exterior. Mas precisamos disso de forma sustentável.

Valor: O que o senhor propõe? Campos: Precisamos de uma visão de médio e longo prazo para poder investir e se posicionar no mercado mundial. Não defendemos nenhuma intervenção na política cambial, porque esse tipo de ação não é desejável, mas acho que deveria existir alguma política de administração do câmbio. Não quero um modelo argentino, nem acho que devemos ser extremistas, mas alguma medida teria de ser implementada. Com o nível de juros reais que temos hoje não podemos depender apenas desse modelo de compra de dólares pelo Banco Central. Não há como desconectar esse câmbio desfavorável ao exportador, quando há uma entrada grande de recursos com o pagamento de juros estratosféricos. Precisamos de melhor equilíbrio entre o que se paga a quem se dispõe a investir. Administrar o câmbio não é só comprar dólar. Falta uma política econômica sustentada em ações de longo prazo, para garantir as exportações.

Valor: Então, qual a expectativa? Campos: Precisamos crescer, pois nossas taxas são irrisórias. Veja a América Latina: crescemos igual ao Haiti. Não é possível, sendo o Brasil um dos integrantes do BRIC (sigla do bloco de países Brasil, Índia, Rússia e China). Ficamos na cauda, longe das potenciais economias em fase de crescimento, os emergentes - China, 9% a 10%; Índia, 7%; Rússia, 6%. Menos que 3% não se justifica.

Valor: O senhor vê uma mexida mais agressiva na taxa de juros? Campos: Seria bem-vinda, mas sabemos que só vai causar algum efeito seis meses à frente. A pequena e média indústria, aquela que tem de buscar nesses níveis o capital de giro para sobrevivência do seu negócio, não espera ver um ajuste na economia em cinco ou seis meses. Nosso setor e outros de base, que sustentam toda a cadeia de valor da economia, são todos impactados: aço, cimento, commodities... Só não sofremos mais porque ainda há alguém chamado China que está demandando a ponto de fazer com que países exportadores de commodities como Brasil sofram um pouco menos. Se não fosse isso, a situação estaria pior e estaria em risco todo o complexo industrial do país.

Valor: Qual o planejamento macroeconômico que a sua empresa fez para trabalhar em 2006? Campos: Prevemos uma taxa real de juros de quase 12%, dólar no fim do ano a R$ 2,45, índice de inflação pelo IPCA de 4,6% e crescimento do PIB de até 3,5%.

Valor: Vocês estão otimistas? Campos: Enxergamos um ano melhor, com retomada de investimentos, não por causa da queda da TJLP (taxa adotada em financiamentos do BNDES), que não move ainda decisões, pois o custo do capital de longo prazo no Brasil ainda é alto. E os recursos do BNDES são a única alternativa para muita gente. Há um ônus grande para quem se dispõe a investir em expansão, além da carga tributária eleva. Foi criada a "MP do Bem", para quem vai exportar mais de 80% da produção, mas deveria haver uma política mais ampla de benefícios para investimentos novos. Muitos países não diferem totalmente os impostos sobre eles e até não tributam. Pagar imposto antes de produzir é inconcebível. Estamos em pleno programa de expansão de US$ 1,5 bilhão na CST, sem benefício da MP, que não é retroativa, com carga de 23%, em dólar. Quando nosso CEO (Guy Dollé, presidente do grupo) veio ao Brasil e reclamou dos elevados custos de investimentos, foi sobre esse tipo de entrave que falou. Como se pode crescer a taxas chinesas ou indianas com esse tipo de entraves.

Valor: Com isso, o grupo fica temeroso para decidir novos investimentos no país? Campos: Não diria temeroso, mas bem mais cuidadosos ao analisar os riscos de se investir no Brasil hoje. Já tomamos algumas decisões, dois a três anos atrás, e elas são irreversíveis. Creio que no cenário atual não teríamos a mesma prontidão em convencer os acionistas da Arcelor a aprovar esses investimentos. Como isso é cíclico, temos uma esperança: o Brasil tem um mercado ávido de consumo, que só não consome mais quando acaba seus recursos próprios ou a capacidade de se endividar. O Japão briga há cinco anos para sair do estado de inércia, de deflação para alguma inflação, e permitir que cidadão consuma um pouco mais. No Brasil, qualquer pequeno recurso pára no comércio, com reflexo na indústria. É isso que atrai grupos como Arcelor. Temos essa possibilidade de crescer. Para isso, precisamos nos prover de meios.

Valor: Quais seriam esses meios? Campos: Uma política macro e microeconômica. Não temos uma visão de conjunto, uma política com P maiúsculo. Com esse governo tínhamos chance ou pelo menos imaginávamos que se poderia mexer em muita coisa. Não vimos avanço. O governo passado já tinha essa chance, que foi perdida com o processo de reeleição. O novo governo, com toda a visão de inclusão social, com as forças políticas a favor, desperdiçou tudo.

Valor: Qual o cenário que senhor traça para o setor siderúrgico? Campos: Para o Brasil, se o PIB crescer 3,5%, enxergamos uma boa possibilidade de recuperação, porque 2005 foi muito baixo. Devemos voltar ao patamar de 2004. A produção deve crescer 4% a 5% e as vendas internas entre 8% e 9%, com consumo aparente em 8,5%. As exportações, depois da alta de 5% em volume em 2005, podem subir 3%. Em divisas, não será tão espetacular devido aos preços - vamos de US$ 6,7 bilhões (alta de 26%) para algo como US$ 7 bilhões (4,5%). Mundialmente, a China, que consome mais de um quarto da produção, continuará a locomotiva que puxa vários setores da economia. A Europa está estável e Estados Unidos mantêm-se com preços firmes, mas já sob pressão de importações da Rússia, Ucrânia e China. O efeito disso veremos neste trimestre. A Ásia, com a pressão de aço chinesa, está confuso.

Valor: Há preocupação com uma possível enxurrada de aço chinês no mercado ou isso já não provoca mais temor no Ocidente? Campos: Esse temor foi reduzido, mas não desapareceu. Não podemos baixar a guarda e menosprezar a China. Ou seja, não podemos eliminar tarifas de importação, tratamento que se deu ao setor no Brasil e continua. Todo país, de alguma forma, cria uma rede mínima de proteção à indústria. O Brasil vai na contramão. A própria China faz isso, e o principal instrumento é o câmbio. E nós achando que devemos ser liberais.

Valor: O governo acena em rever as alíquotas que foram zeradas? Campos: Estamos pleiteando. Temos esperança de que nesse início de ano o governo reveja essa questão, pois ameaça a indústria de forma geral. Não existem mais as chamadas condições de desabastecimento, que em algum momento foram levantadas. Podemos atender em volume, em qualidade e em prazos.