Título: BC pode zerar passivo cambial em seis dias
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Finanças, p. C2

Mantido o atual ritmo diário de compra de dólares, em seis dias úteis o Banco Central irá cancelar todo o passivo cambial público. Pelas contas do analista independente Pedro Barbosa, até sexta-feira o país detinha um passivo em dólar estimado em US$ 2,1 bilhões. Como o BC vem comprando US$ 350 milhões - US$ 200 milhões no mercado futuro e US$ 150 milhões médios no à vista - todos os dias, no começo da semana que vem todo o endividamento em dólar do governo brasileiro estará protegido por uma posição ativa correspondente. Ou seja, o governo estará livre do risco cambial. As contas do analista são as seguintes: se de todos os passivos cambiais forem retirados os ativos (inclusive as reservas), ainda havia um saldo positivo no final de novembro passado de US$ 28,4 bilhões; deste saldo, devem ser retirados os US$ 14,6 bilhões obtidos com a venda de contratos de swaps reversos, US$ 5,5 bilhões relativos ao caixa já feito pelo Tesouro para o pagamento de compromissos da dívida externa em 2006 e outros US$ 6,2 bilhões resultantes do crescimento das reservas de dezembro para cá. O passivo remanescente alcança US$ 2,1 bilhões. A proximidade do cancelamento do passivo em dólar fez o BC desacelerar a sua política de intervenção cambial diária. Afinal, a justificativa oficial para os leilões não era impedir a desvalorização do dólar, mas "reduzir" a exposição. O objetivo formal foi mais do que cumprido. E agora? Quando retomou as operações de venda de swaps reversos, em 17 de novembro, o BC enxugava diariamente US$ 600 milhões. O volume foi reduzido para US$ 400 milhões no dia 21 de dezembro e, desde sexta-feira, o interesse de compra está limitado em US$ 200 milhões. O freio nas atuações não se deve somente ao fato de que o BC irá se sentir muito desconfortável tendo de, após a zeragem do passivo na semana que vem, assumir posição ativa em dólar. A desaceleração também não se explica isoladamente pelo elevado impacto fiscal produzido pela troca de dólares por reais. O custo fiscal de suas operações cambiais não parece incomodar muito o BC, já que isso é preocupação do Tesouro e da Fazenda. Estes que tratem de arrumar dinheiro para arcar com a execução das onerosas políticas cambial e monetária. Os analistas enxergam um motivo mais relevante para a diminuição da ofensiva cambial do BC: ajudá-lo a combater a inflação, já que não pode, por constrangimento político, usar a sua arma favorita, a taxa de juros.

Apreciação do real fará a função dos juros

O tradicional repique inflacionário de início de ano promete ser vigoroso nesta versão 2006. Bancos já estão revendo para cima seus prognósticos de IPCA para janeiro e fevereiro. Já se projeta agora índices entre 0,55% e 0,60%. O que normalmente faria o soturno Copom? Interromperia, para avaliação do quadro inflacionário, o movimento declinante de juro. Só que neste ano eleitoral não poderá fazer isso. Terá de continuar reduzindo a Selic ao ritmo de 0,75 ponto percentual. Nem o retorno ao ritmo anterior de corte de 0,50 ponto ele poderá tentar, sob pena de ser acusado de sabotar os esforços eleitorais. Resta ele utilizar arma tão ou até mais eficaz que a política monetária no ataque à inflação: o câmbio apreciado. Os três fatores - proximidade da zeragem do passivo cambial total, elevado custo fiscal das intervenções e necessidade de utilizar a taxa de câmbio para controlar a inflação - provocaram elevação das posições vendidas em dólar na sexta-feira. E a moeda desabou. Interrompendo seqüência de três altas, o dólar caiu 2,14%, para R$ 2,2780, quase anulando a valorização registrada na semana passada. Após o sobe-e-desce, a moeda acumulou na semana valorização modesta de 0,09%. O mercado futuro de juros da BM&F persistiu, na sexta-feira, ajustando as projeções de CDI à expectativa de que o BC não poderá bloquear a rota gradual de baixa da taxa Selic, independentemente do que venha a acontecer com a inflação. O alvo da política monetária será a atividade econômica. Da inflação, cuidará o câmbio. Já com volumes de negócios normais, após os giros recordes que cercaram a reunião do Copom de quarta-feira, os contratos cederam levemente. O contrato para a virada do ano voltou a ser o mais negociado (giro de R$ 15,63 bilhões) e a taxa recuou de 15,87% para 15,84%. A atenção do mercado monetário se voltará esta semana para a divulgação da ata do Copom. Se a extensão do documento for proporcional à duração de 4h45 do evento, os analistas terão de destinar boa parte da manhã de quinta-feira para decifrar os enigmas do BC. Mas o mercado não espera encontrar lá a elucidação de um deles: o rumor de que se gastou pelo menos duas horas para se obter a adesão de um único diretor obstinado na manutenção do corte de meio ponto.