Título: Plano é reagir contra o avanço de banco privado
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Finanças, p. C8

A Caixa Econômica Federal vai usar os programas públicos e sociais como arma para enfrentar o avanço dos bancos privados no nicho de pagamento de salários de funcionários públicos estaduais e municipais. As recentes licitações de prefeituras e governos estaduais para escolher novos administradores são "um problema sério, muitas vezes discutido pelo conselho diretor" da Caixa, diz o presidente Jorge Mattoso. Em entrevista ao Valor, ele lembra que a Caixa injetou na economia R$ 115 bilhões em 2005, cifra que equivale a 6% do Produto Interno Bruto (PIB), por meio do pagamento de programas sociais, financiamentos e administração do FGTS. "Temos apontado o risco de uma redução da participação da Caixa e de outros bancos públicos se esse tipo de decisão se proliferar". A Caixa enfrenta o desafio de reduzir sua carteira de títulos públicos - injetados no mais recente socorro do Tesouro à instituição, em 2001 - e aumentar o crédito. Em 2005, sua carteira cresceu mais do que a do sistema bancário. Mattoso diz que o banco tem grande penetração entre micro e pequenas empresas, mas ainda precisa atrair as médias e grandes. Para tanto, vai oferecer até o final do ano serviços completos na área de câmbio e comércio exterior. Os primeiros passos foram dados com as operações de remessas de brasileiros que residem no exterior. Mattoso adianta que, em março, a Caixa irá ingressar no mercado de "dekasseguis", por meio de convênio com um conglomerado de bancos regionais do Japão.

Valor: O lucro da Caixa em 2004 caiu em relação a 2003. É uma tendência de lucros menores? Jorge Mattoso: Sem dúvida, o lucro de 2005 será o maior da história. O principal desafio da Caixa é alterar a relação entre títulos públicos e crédito em seus ativos. Devido ao processo de reestruturação patrimonial realizado em 2001, a Caixa ficou muito alavancada em títulos. Esse esforço tem tendo um extraordinário resultado. Isso significa que já agora os lucros são menos da alavancagem de títulos e mais do exercício da função básica de um banco, que é o crédito. É o melhor dos mundos.

Valor: O crédito da Caixa cresce mais rápido que o sistema. Há o risco de deterioração da carteira? Mattoso: A Caixa mudou muito sua governança e instrumentos de controle. Hoje, só opera em comitês, não há decisões individuais de crédito. Nem os gerentes de agências decidem sozinhos. Quando sobem os níveis de alçada e os valores, mais pessoas se envolvem. Por exemplo, essa compra da carteira do BMG, que saiu nos jornais, foi uma decisão de mercado, passou por dezenas de pessoas, senão centenas.

Valor: A inadimplência do microcrédito, que está em cerca de 10%, não é muito elevada? Mattoso: O problema não é que o pobre tem maior inadimplência. Pelo contrário, o pobre paga as contas em dia. Mas essa é uma população que tem naturalmente um desconhecimento maior do sistema financeiro. É um processo de aprendizagem. Quando iniciamos o crédito popular, o sistema era muito semelhante ao cheque especial, com crédito rotativo. A inadimplência subiu. Adotamos recentemente a cobrança por carnês, e o sistema está andando muito melhor. O cliente está habituado a usar carnês nas suas compras de tevês, rádios ou sofás nas lojas de varejo.

Valor: Qual é a estratégia da Caixa na disputa com bancos privados pelas folhas de pagamento de Estados e municípios? Mattoso: Esse é um problema sério, muitas vezes discutido pelo nosso conselho diretor. Temos mostrado para os prefeitos e governadores o extraordinário papel da Caixa na alocação de recursos para municípios e Estados. Disponibilizamos para a economia brasileira R$ 115 bilhões em 2005, ou 6% do PIB, em pagamentos de programas sociais, financiamentos, FGTS etc. Muitas vezes esse papel de banco público não é reconhecido quando prefeitos fazem licitações de folhas de pagamentos. Temos apontado o risco de uma redução da participação da Caixa e de outros bancos públicos se esse tipo de decisão se proliferar.

Valor: A Caixa vem aumentando empréstimos para pessoas jurídicas, mas sobretudo para micro e pequenas empresas. Como atingir o mercado de médias e grandes? Mattoso: Dos cerca de 800 mil clientes pessoas jurídicas da Caixa, mais de 90% são micro e pequenas. O mercado médio é muito mais rentável e, obviamente, interessa à Caixa. Fizemos a opção de trabalhar em dois setores, turismo e construção civil. O turismo porque nossas análises mostravam que os bancos não olhavam para esse setor, que está crescendo muito. Hoje somos reconhecidos como o banco do turismo. O setor de construção civil, que diz respeito à própria história da Caixa, muitas vezes operava conosco com crédito, mas não operava como banco.

Valor: E o banco está preparado para atender a grande empresa? Mattoso: A Caixa não operava com câmbio. Com as médias empresas fazendo grande esforço exportador, com o resultado da balança comercial, a Caixa não tinha produto para oferecer, como ACCs. Criamos uma área internacional, primeiramente voltada a brasileiros residentes no exterior. Já estamos operando com câmbio para pessoas físicas e finalizando os sistemas exigidos pelo BC para pessoas jurídicas. Estaremos operando completamente com câmbio até o final do ano.

Valor: Depois de acordos para fazer remessas de brasileiros nos Estados Unidos e Portugal, qual é o próximo passo? Mattoso: Em 7 de março está prevista a assinatura de convênio com o Iwata Shinkin Bank, no Japão, e depois com um conglomerado de bancos regionais naquele país. Não descarto ampliar os convênios existentes nos Estados Unidos. Nossa parceria com o BCB Milenium é muito importante, mas eles estão demasiadamente concentrados na região leste americana e no Canadá. Precisamos de parceiros que atinjam outras regiões com presença de brasileiros, como a Califórnia.

Valor: Como atrair a classe média e empresas a agências lotadas pela execução de programas sociais? Mattoso: A Caixa não é só um banco que atende a população de menor renda. É isso também, e não abre mão. Mas é um banco de todos os brasileiros. O que podemos fazer é melhorar o atendimento, fazer com que nossas agências sejam capazes de atender a todos os públicos. Temos conseguido: estamos há dois anos fora da lista de reclamações do BC, mudamos o "layout" das agências, ampliamos o número de pontos de atendimento para 15 mil, incluindo agências, lotéricos e correspondentes. Os resultados estão aparecendo. O crescimento do crédito a pessoas jurídicas é extraordinário, assim como o crescimento do número de clientes, que chegou a 35 milhões.

Valor: E as conhecidas fragilidades tecnológicas? Mattoso: Ainda não somos um banco de ponta, mas estamos nessa direção. Os esforços em tecnologia trazem resultados de médio prazo. Em 2002, houve aumento dos investimentos, e nos anos seguintes, ainda mais. Estamos com um novo site na Internet, fomos o primeiro banco a fazer remessas de brasileiros no exterior por meio de cartões de crédito e administramos com eficiência o maior banco de dados do mundo, que é o FGTS. Não havia crédito pré-aprovado, e passamos a ter. A Caixa, que muitas vezes demorava na aprovação de crédito, é hoje reconhecidamente - por exemplo, no crédito habitacional - o banco mais rápido. 2007 será sem dúvida o ano de consolidação da mudança tecnológica. (AR)