Título: Crescimento ilusório
Autor: Danilo Fariello e Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, EU &, p. D1

Aumento das aplicações em fundos de investimento não compensa os resgates e patrimônio sobe graças ao retorno apenas

Quem olha o tamanho do setor de fundos de investimentos no Brasil, hoje com cerca de R$ 700 bilhões, acha que ele vai de vento em popa. Mas, observando com cuidado, a história é bem diferente. Excluídos os fundos de previdência, o setor registrou mais saques do que aportes de 2001 até o ano passado. Levantamento feito pelo site financeiro Fortuna a pedido do Valor mostra que, nos últimos cinco anos, os fundos tiveram perda líquida (resgates menos aplicações) média de 1,8% do patrimônio total ao ano. Em 2001, o segmento tinha R$ 268 bilhões de patrimônio e fechou 2005 com R$ 583 bilhões. Esse crescimento é resultado principalmente da rentabilidade. Se dependesse unicamente das aplicações novas, o patrimônio chegaria em 2005 com R$ 20 bilhões a menos do que tinha no começo. O levantamento exclui fundos de previdência, que trilharam caminho contrário. Em apenas dois dos últimos cinco anos houve captação líquida nos fundos de investimento. E o maior avanço, em 2003 - com captação de 16,1% -, foi mais uma recuperação do tombo que o setor tomou em 2002, com a crise da marcação a mercado. No ano passado, o segmento cresceu apenas 2,8%, graças principalmente aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). "Se não fosse isso, provavelmente os saques continuariam a superar os depósitos ou, no máximo, o setor ficaria no zero a zero", diz Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna. Para D'Agosto, os fundos ainda não atingiram camadas mais populares de investidores, que temem a complexa estrutura do mercado. Ele diz, ainda, que o acesso aos fundos é muito restrito, principalmente pela falta de informações disponíveis. Marcelo Bonini, Diretor de Ativos de Terceiros da Caixa Econômica Federal, diz que o setor está perfeitamente estruturado, mas questões culturais ainda impedem a expansão das aplicações. Para ele, os gestores são altamente qualificados, os produtos são diversificados e a regulação adequada. "Porém, investidores ainda têm dificuldades em escolher fundos, e gerentes muitas vezes têm medo em oferecer algo que não compreendem totalmente." A recente mudança da tributação das carteiras, por exemplo, lançou mais uma incógnita nessa complexa equação, diz. Maria Cecilia Rossi, sócia da Inter-link Consultoria de Mercado de Capitais e ex-diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) diz que seria preciso oferecer mais educação financeira aos investidores para que entendam as vantagens dos fundos. Sérgio de Oliveira, diretor-executivo do Bradesco e vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), reconhece que falta ainda melhor capacitação dos profissionais que distribuem os fundos para apresentar os produtos de maneira mais eficiente aos investidores. "Mas isso tem melhorado." No topo da pirâmide, ou seja, entre os investidores de maior renda, houve também motivos para os fundos perderem atratividade. Maria Cecília, da Inter-link, diz que a criação da conta-investimento, que isenta da CPMF movimentações entre diferentes aplicações, diminuiu a importância dos fundos exclusivos, que eram procurados principalmente para esse fim. Um fator regulatório também diminuiu o apetite dos gestores para buscar cotistas. Maria Cecilia diz que o maior rigor da CVM na regulação dos fundos, apesar de oferecer mais transparência, acabou implicando custos mais elevados para administradores. "O preço de manter um fundo subiu e reduziu a competição no mercado." Em 2002, a perda líquida foi a mais dramática, chegando a 21,1%. O motivo foi a marcação a mercado, uma regra do Banco Central que determinou que todos os fundos registrassem os papéis que possuíam pelo valor corrente, como se fossem vendê-los naquele dia. Uma parte dos gestores não fazia isso. Naquele momento, com a eleição presidencial conturbada, os papéis apresentavam forte volatilidade e a mudança acabou por provocar perdas nas cotas de fundos. Muitas carteiras de renda fixa e DI registraram perdas surpreendentes para seus cotistas. Esse evento mostrou ao investidor que ele pode perder dinheiro até nos fundos mais conservadores. A volatilidade das cotas provocou uma onda de saques. Para André Luiz Oda, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) muitos investidores migraram dos fundos para a caderneta de poupança ou para os CDBs e não voltaram mais. O recolhimento do imposto de renda (IR) sobre os ganhos semestralmente, (conhecido como "come-cotas") também garfa um bom pedaço dos recursos, aparecendo como saques na conta da captação líquida. A tributação teria tirado dos fundos cerca de R$ 50 bilhões nesses cinco anos, estima o também vice-presidente da Anbid, Marcelo Giufrida. "Se olharmos por esse prisma, o setor teve captação líquida de R$ 30 bilhões e não perdas de R$ 20 bilhões." Mas ele reconhece que houve recuo nas aplicações em relação aos anos 90. Nos últimos cinco anos, além da previdência, Giufrida lembra que houve a concorrência dos CDBs, que deixaram de pagar CPMF na reaplicação, com a conta-investimento, não têm come-cotas nem taxa de administração. Oliveira, do Bradesco, diz que, apesar de ter a captação reduzida, a importância dos fundos cresceu nos últimos anos para 40% do Produto Interno Bruto (PIB). "Além disso, os fundos abrigam mais de 60% das aplicações financeiras." Gestores acreditam que a queda dos juros trará um futuro melhor, já que o investidor deverá ter um apetite maior por risco em busca de ganhos melhores do que em CDBs ou fundos de renda fixa. "Veremos uma onda de aplicações em carteiras como multimercados e fundos de ações", diz o professor do IBMEC-SP e sócio da ForeSee Investimentos, João Luiz Mascolo.