Título: Ziguezague do dólar
Autor: Adriana Cotias
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2005, EU &, p. D1

Atuação do BC deixa quadro incerto e pode afetar aplicações em moedas, ações de exportadoras e em IGP-M

Nem mesmo com a força bruta do Banco Central (BC) e do Tesouro o dólar comercial vai recuperar o terreno perdido para o real neste ano. As agressivas intervenções no mercado - que, pela ação conjunta, chegaram a retirar US$ 800 milhões por dia em instrumentos cambiais e moeda nesta virada de ano - só tiveram o mérito de atenuar a desvalorização da divisa americana que, até sexta-feira, acumulava queda de 12,12% em relação ao real. Assim, os fundos referenciados em moeda estrangeira, em dólar ou em euro, não tiveram muita chance e acumulam, na média, desvalorização no ano de 10,73% até o dia 22, segundo o site Fortuna. Para 2006, em meio ao processo eleitoral no Brasil, ao ciclo de aperto do juro americano e à redução da taxa brasileira, são mais difíceis os prognósticos. As projeções variam de uma cotação de R$ 2,35 a R$ 2,60 por dólar em dezembro, para um período que promete volatilidade. É por isso que os analistas recomendam só usar ativos atrelados a moedas estrangeiras para proteger uma parte do portfólio. O mesmo raciocínio vale para obrigações atreladas ao IGP-M, índice de inflação que sofre grande influência do câmbio por ter maior peso dos preços de atacado. De qualquer forma, arriscar-se nos vaivéns do câmbio pode ser um jogo perigoso. "Quem tem ou terá compromissos em dólar pode comprar ao longo do tempo e fazer um colchão para conseguir uma taxa média boa", aconselha o ex-diretor da Área Internacional do BC Emilio Garófalo. "Tudo indica que o câmbio terá alguma recuperação, pois a anunciada queda da atividade vai forçar o governo a acelerar a redução dos juros." Ele assinala que o investidor não deve esperar que nenhum tsunami venha por aí, mas com a combinação de uma taxa de juros menor e com um BC mais agressivo é previsível que haja algum aumento das importações e maior demanda por dólares. É louvável que o BC queira recompor reservas e o Tesouro compre divisas para antecipar o pagamento de empréstimos do governo no exterior. Mas segundo o diretor da Modal Asset Management Alexandre Póvoa o ritmo das intervenções vem suscitando dúvidas sobre quais as intenções da autoridade monetária. "Ou o BC está antecipando um cenário mais adverso no início de 2006, com receio de que não possa comprar dólares com tanta tranqüilidade, ou há preocupação com a taxa de câmbio mesmo", diz. Apesar da campanha eleitoral no meio do caminho, ninguém desenha um cenário de grande estresse como o que foi em 2002, quando o mercado "surtava" à simples menção de que um nome de esquerda poderia chegar ao Palácio do Planalto. Naquela ocasião, até as linhas de exportação secaram para o Brasil. O nervosismo foi agravado ainda pelas mudanças nas regras de atualização das carteiras dos fundos, a chamada marcação a mercado. A leitura, agora, é de que situação macroeconômica é outra. As necessidades de financiamento externo para 2006 estão cobertas e o balanço de pagamentos do país encontra-se num nível confortável, amparado pelo forte fluxo comercial. A previsão é de que o comércio exterior prossiga rendendo bons dividendos para o país, mas o clima pré-eleições sempre tem o potencial de adicionar alguma pimenta nos mercados. "Além do Brasil, haverá eleições em mais sete países da América Latina e não dá para esperar que o investidor estrangeiro olhe a região com tranqüilidade", argumenta Póvoa. Nesse caso, para quem prevê fortes emoções pela frente, as ações de empresas exportadoras, que ganham com a alta do dólar, podem ser opção de diversificação da parcela dedicada à renda variável. Para os estrategistas da corretora Merrill Lynch, o relativo enfraquecimento do real será determinado pelo declínio da liquidez global em conseqüência do menor apetite por ativos de risco, num cenário de alta do juro americano. Mas com a volatilidade no horizonte, assumir algum posicionamento especulativo em câmbio pode ser uma aventura para o investidor não especializado, afirma o responsável pela área de Renda Fixa da ABN Amro Real Asset Management, Eduardo Castro. O especialista sugere as aplicações em fundos cambiais apenas para quem tem alguma necessidade de poupança em moeda estrangeira. Caso contrário, para o aplicador mais arrojado, a diversificação recomendada é nos fundos multimercados, que podem se apropriar do sobe-e-desce do dólar de forma mais segura. "O ativo cambial pode ser, em alguma medida, considerado tão arriscado quanto a bolsa e para o investidor tradicional escolher o melhor momento de comprar, ficar neutro ou sair é loucura", avalia. Para Rodrigo Bresser Pereira, sócio da Bresser Asset Management, a disparada do dólar, patrocinada pelas intervenções do BC, é passageira e, no longo prazo, os investimentos atrelados a juros ainda são a melhor opção. Ele não dá palpites sobre o que ocorrerá com o câmbio em 2006, principalmente porque entende que a política cambial mudou e as ações do BC têm o claro objetivo de defender a competitividade do Brasil no comércio internacional. Eduardo Kondo, analista da Concórdia Corretora, avalia que nenhum banco central do mundo tem condições de "peitar" o mercado e impor a taxa de câmbio que quer. "O fluxo externo acaba anulando essas iniciativas e baixar os juros parecer ser a medida mais acertada." Em meio às divergências, Fábio Colombo, analista de investimentos, acredita que as aplicações em moedas estrangeiras não conseguirão bater o CDI. Mesmo assim ele recomenda colocar uma parcela dos recursos em operações que ofereçam proteção cambial. "É como um seguro de vida", diz. "Você faz para não usar."