Título: Trava às exportações
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2006, Opinião, p. A9

As informações de queda no saldo da balança comercial ao longo deste janeiro acenderam os ânimos daqueles que há pelo menos dois anos clamam pela maior desvalorização do real face ao dólar. Não há quem possa contestar, de fato, que mais câmbio é sempre um combustível certeiro para o aumento das exportações. A taxa, digamos, de R$ 2,50 - para não irmos muito longe - é mais estimulante para quem tem receita em dólar do que a taxa de R$ 2,30. O problema é que, visto assim do alto, nada se insinua no horizonte como fator de pressão cambial nos próximos meses. A menos, é claro, que haja uma tremenda crise política que mexa com os alicerces da República. Por enquanto, além de tudo o que já se conhece nessa área, não há suspeitas de que o ruim possa ficar ainda pior. Portanto, segue-se que a taxa de câmbio não tende a sofrer nenhuma grande mudança de patamar, supondo a manutenção da mesma política cambial flutuante, ainda que non troppo. Ninguém espera (e isso já vem sendo previsto há tempos) que o saldo da balança comercial brasileira continue dando saltos expressivos daqui para frente. O câmbio é uma parte pequena do problema e deve ser sempre visto como uma dose de estímulo transitória. Outros fatores funcionam na engrenagem: o nível da taxa de juros interna em comparação com a externa, o nível da inflação, os efeitos do clima na produção agrícola, o nível da demanda interna e o nível da demanda externa. Tudo isso, em maior ou menor grau, ajuda a explicar o comportamento da balança comercial. Para 2006, por exemplo, a maioria dos analistas prevê saldo acumulado no ano abaixo dos US$ 44,760 bilhões do recorde registrado em 2005. Nada de muito dramático: fala-se em US$ 39 bilhões, conforme a estimativa da Funcex, ou em US$ 36 bilhões, segundo a projeção da Consultoria Tendências. Pode dar mais do que isso se a economia brasileira desacelerar ainda mais. Como se sabe, a máxima cunhada em cima da evidência histórica brasileira de incompatibilidade da demanda interna com a exportação está ainda longe de ser derrubada. Se o PIB aqui cresce pouco, mais se vende no mercado internacional. Se há expansão da economia, parte da mercadoria exportada é desviada para atender o consumo interno. Essa dicotomia já não vale mais para todos o setores do rincão industrial do país, mas ainda se impõe em muitos casos. Portanto, ainda está para ser testada com suficiente tempo de comprovação uma história de aumento substancial da exportação em cenário de crescimento contínuo do PIB. A questão de fundo que afeta a balança comercial do país não é, definitivamente, o câmbio. Mas a falta de investimento interno que amplie a taxa de inversão para algo mais consistente, além dos 19% ou 20% do PIB. Na China, só para se ter um parâmetro, tem sido de 40% do PIB. Os números falam por si.

Não se conseguirá firmar uma posição competitiva do Brasil no mercado internacional sem ampliar os investimentos no setor produtivo industrial

As exportações brasileiras têm hoje a seguinte composição: 55% de produtos manufaturados, 15% de produtos semi-manufaturados e 25% de produtos básicos. Significa dizer que estamos do mesmo jeito em que estávamos em 1995, que, por sua vez, repetiu o mesmo padrão predominante desde meados dos anos 80. Ali se deu, em verdade, a última e até aqui definitiva mudança na composição da pauta de exportações do país, no momento em que o peso dos manufaturados na pauta pulou dos 25% para a posição atual de 55%. Muitos produtos certamente são hoje mais sofisticados e agregam mais valor do que nos idos de 70 ou 80, mas o fato é que setores importantes na estrutura industrial do país, como o siderúrgico, não conseguem atender ao mesmo tempo as demandas interna e externa sem maior estresse. A despeito dos preços favoráveis no mercado internacional, o setor vive a situação desconfortável de não poder exportar mais por falta de capacidade industrial. "Nunca mais tivemos o surto de investimento na indústria como o que se viu na virada de 70 para 80, impulsionado pelo II PND", avalia Fernando Ribeiro, economista-chefe da Funcex. Para ele, a questão se resume à algo parecido com a operação aritmética onde 1 + 1 = 2. Ou seja, não dá para a produção industrial brasileira atender simultaneamente aos mercados interno e o externo. Esse é, na avaliação de Fernando, um problema crucial conhecido há tempos, sempre abordado, mas nunca aprofundado: "no caso das exportações, fala-se sempre no câmbio e nunca na limitação do investimento, acho que é mais fácil falar do problema cambial", diz ele. Para que a participação dos manufaturados nas exportações passe dos atuais 55% a 56% para algo em torno de 70% será preciso um tremendo esforço de investimento parecido com a pujança vivida nos anos 70, tremendamente facilitado pela alavanca do processo de substituição de importações em uma economia extremamente fechada. Não se sabe quanto de aumento da taxa de investimento seria necessário para ampliar substancialmente o peso dos manufaturados na pauta de exportação. Mas sabe-se que qualquer expansão de cinco pontos de percentagem com relação ao PIB já seria suficiente para propiciar uma boa mudança no perfil das vendas externas sem comprometer o abastecimento interno. Ganha um doce, com direito a ter o nome inscrito em definitivo na história econômica do país, quem conseguir aquela façanha. Conhecimento de causa não falta. O que falta é amarração consistente da política econômica e vontade de fazer. Enquanto isso, ficamos à mercê das flutuações dos preços das commodities, que tanto afetam o resultado das exportações. Informações do tipo o fumo caiu, o café caiu, a carne caiu, a madeira caiu foram a tônica dos boletins de janeiro, com essas catástrofes sendo amenizadas pela alta do açúcar e do suco de laranja. Ah, o preço da soja se mantém estável! Pelo menos o Brasil conseguiu atingir a auto-suficiência na produção de petróleo e derivados nos últimos anos, além das commodities que nos ajudam em termos de vantagem comparativa. Isso é um alívio, mas não se conseguirá firmar uma posição competitiva no mercado internacional sem que se ampliem os investimentos no setor produtivo industrial. Não aqueles da década de 70, mas produtos que venham carregados de tecnologia e de inovação. Quanto mais o tempo passa, mais amarrados ficamos no grande nó da inoperância.