Título: Cresce o crédito de fornecedores
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2004, Finanças, p. C-8

Com a escassez e restrições do crédito bancário e as elevadas taxas de juros, os fornecedores estão se transformando nos principais financiadores do capital de giro e investimentos das empresas no país. A compra e venda a prazo de mercadorias e insumos junto aos fornecedores, o chamado crédito mercantil, movimentou este ano R$ 161,3 bilhões, quase a metade do que as empresas tomaram em financiamentos bancários no mesmo período, que foi de R$ 346,6 bilhões. Os dados fazem parte de um estudo divulgado ontem pela Serasa, empresa de análise de crédito, e foram capturados dos balanços de 60 mil empresas industriais, comerciais e de prestação de serviços. Deste universo, apenas três mil companhias são consideradas grandes, com faturamento acima de R$ 50 milhões anuais. O estudo traz um histórico do crédito mercantil nos últimos dez anos e mostra que, nesse período, o financiamento da atividade produtiva através de fornecedores avançou em um ritmo muito superior do que o crédito bancário. O crédito mercantil é definido por compras a prazo, realizadas pelas empresas com seus fornecedores de insumos e mercadorias. Esses dados aparecem nos balanços no item "obrigações a pagar a fornecedores" para quem compra, e no "contas a receber de clientes", nas que vendem. Em valores corrigidos pela inflação, o financiamento através dos fornecedores cresceu 60%, de R$ 100,7 bilhões em dezembro de 1994 para R$ 161,3 bilhões em junho de 2004. Na mesma comparação, o crédito bancário às empresas cresceu 34%, de R$ 257,8 bilhões para R$ 346,6 bilhões. O crédito de curto prazo - essencial para o comércio, por exemplo - de fornecedores já supera o bancário. Com fornecedores, o volume sai de R$ 98,5 bilhões para R$ 153,5 bilhões, um avanço de 56% em dez anos, enquanto as linhas bancárias de curto prazo saíram de R$ 118,1 bilhões para R$ 133,1 bilhões, apenas 13% de crescimento no período, em termos reais. O estudo mostra claramente a desvantagem do comércio em relação à indústria e serviços, e das pequenas e médias empresas em relação às grandes, quando se trata de crédito bancário. Enquanto os bancos aumentaram 36% seus financiamentos para a indústria e 34% para as empresas de prestação de serviços, para o comércio o crescimento foi de apenas 25%. Ao mesmo tempo em que os créditos bancários aumentaram 59% em termos reais para as grandes empresas, houve queda real de 34% para as pequenas e médias. As linhas bancárias de curto prazo para o comércio encolheram 22% reais no período, de R$ 14,4 bilhões para R$ 10,4 bilhões, entre dezembro de 1994 e junho de 2004. Os números sobre as empresas de prestação de serviços mostram um quadro mais equilibrado. Segundo Marcio Torres, gerente de Análise de Crédito da Serasa e um dos autores do estudo, embora este segmento da economia seja predominantemente composto de microempresas e profissionais autônomos, os números que fizeram a diferença no levantamento da Serasa referem-se às gigantes de energia elétrica, telecomunicações e transportes (rodoviário, ferroviário e aéreo). Para estas empresas, ao mesmo tempo em que o crédito de fornecedores cresceu 43% em termos reais, atingindo R$ 42,2 bilhões no primeiro semestre de 2004, os financiamentos bancários avançaram 34%, para R$ 157 bilhões aproximadamente. Torres explica que a razão da menor oferta de crédito ao comércio está relacionada ao "modelo de negócio", além do fato de que a grande maioria das empresas do setor são pequenas e médias, às quais os bancos têm maior aversão. "O grande investimento das empresas comerciais é em estoques, enquanto as indústrias e empresas de serviços investem mais em ativos fixos", analisa o gerente da Serasa. A manutenção de estoques demanda capital de giro mais intensamente. "Os bancos preferem emprestar mais a longo prazo para os grandes investimentos e não para o capital de giro", explica. Os números levantados no trabalho são o retrato da dificuldade de alavancar negócios no Brasil. A combinação de crédito bancário caro e escasso, explica o Torres, é o ponto principal. Daí deriva que os bancos "crescem mais entre as empresas grandes e nas linhas de mais longo prazo" (veja tabela acima) porque estas são mais transparentes e oferecem maiores garantias. Por outro lado, as pequenas empresas não se sentem estimuladas a abrirem mais informações e tornarem-se mais visíveis porque o crédito bancário é muito caro e a rentabilidade da operação não é suficiente para pagá-lo e ainda crescer. Para Luiz Francisco Novelli Viana, sócio-presidente do TMG, um fundo de capital internacional especializado na compra de controle e participação em empresas, o que a pesquisa da Serasa mostra é "uma aberração". "Em nenhum país do mundo o crédito de fornecedores é maior que o bancário", comentou o executivo, lembrando que em países de taxas de juros baixas é possível fazer negócios baseados em dívida. "No Brasil isso é impossível".