Título: Acordo só sai com corte de tarifa industrial, diz UE
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2006, Brasil, p. A3

O comissário de comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson, deixou claro ontem que só haverá acordo na Rodada Doha se o Brasil fizer redução efetiva das tarifas de importação de setores industriais inteiros, incluindo veículos, autopeças, produtos de informática, siderúrgicos e calçados. Por sua vez, o Brasil reafirmou que só pode haver avanço com nova proposta agrícola européia. Diante do impasse, a diplomacia brasileira sugere que todos coloquem suas propostas ao mesmo tempo na mesa de negociação. Em Berlim, durante um discurso para delinear a estratégia européia visando concluir a rodada, Mandelson insistiu que a UE já fez sua parte na negociação e cobrou concessões por parte do Brasil e dos Estados Unidos. Para uma platéia de empresários, o comissário alvejou especialmente o Brasil. Chegou a ironizar, chamando de "abracadabra" declaração do ministro Celso Amorim, em recente encontro com o ministro das Relações Exteriores da Austrália, de que o sucesso da rodada dependia do acesso aos mercados agrícolas europeus. Mandelson reclamou que não importa o que a UE faça, sempre surgem mais cobranças. Exemplificou que o Brasil dobrou suas exportações para a UE nos últimos dez anos, com a UE acumulando déficit de ? 8 bilhões na balança bilateral agrícola. Acusou o Brasil de, enquanto isso, propor na área industrial corte insignificante de tarifas e de querer excluir 10% das 9 mil linhas tarifárias, o que considera inaceitável. "Vocês compreendem a recusa da União Européia de considerar uma conclusão de negociações dessa maneira, o que poderia nos privar de novas perspectivas de acesso de mercados nos nossos setores chaves de exportação", alegou o comissário. "Não posso vender um acordo no qual a Europa deu, mas não recebeu nada em retorno. Isso não é negociação, é capitulação. A Europa está pronta a dar mais que os outros. Mas não está disposto a ficar sem receber nada." A UE fez uma proposta agrícola para cortar em 60% nas tarifas mais altas, reduzir em 70% os subsídios domésticos e eliminar as subvenções à exportação em 2013 - bem aquém do que a maioria dos parceiros pede. Os Estados Unidos distribuíram ontem um resumo de estudo sobre o impacto da proposta européia. O problema, diz Washington, é que ela não abre o mercado europeu, mas também não abre os outros mercados agrícolas internacionais. Exemplos: pela proposta européia, a redução da tarifa européia para a entrada de carne de frango cairia de 53% para 45%, ou seja, quase nada. No Canadá, a tarifa de 290% declinaria para 237%. No Japão, a tarifa de importação de arroz de 550% teria corte de apenas 20%. A alíquota de importação de trigo no Brasil baixaria de 35% para 27%, e de algodão na Índia de 100% para 65% - tudo ainda muito alto e acima do nível realmente praticado. Do lado brasileiro, o discurso de Mandelson foi recebido sem surpresa. O embaixador brasileiro junto à OMC, Clodoaldo Hugueney, nota que, como Mandelson está acuado, sempre cobrado por todos, tenta se livrar da responsabilidade pelo fiasco das negociações jogando a culpa nos outros pelo que não fez. Chamou atenção a declaração de Mandelson de que está "pronto a verificar se existe uma real ambição de ir bem além da simples consolidação da liberalização existente". Para o ministro Roberto Azevedo, diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, a UE quer ver antes as propostas dos outros, examinar o que lhe interessa, e tudo isso sem sequer dizer se vai se mover ou não em agricultura. Em Genebra, na negociação especial de agricultura, os técnicos voltaram a trabalhar, mas todas as expectativas estão na reunião ministerial de sexta-feira e sábado em Davos, entre 25 ministros. Falando pelo G-20, o embaixador Hugueney alertou que o grupo não aceitará sacrificar a ambição de um amplo acordo para concluí-lo no prazo.