Título: "Quem quer ser campeão não pode escolher adversário"
Autor: Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2006, Especial, p. A12

Entrevista Ministro do Trabalho diz que Lula vai tentar reeleição e que não tem preferência entre Serra e Alckmin

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não tem preferência pelo adversário tucano que vai enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições deste ano: o prefeito José Serra ou o governador Geraldo Alckmin. Para ele, um dos auxiliares mais próximos de Lula, "quem quer ser campeão não pode escolher adversário". Marinho está certo de que Lula será candidato à reeleição. Nesta entrevista ao Valor, em nenhum momento faz qualquer ressalva sobre a possibilidade de Lula não se candidatar. Vindo do movimento sindical - deixou a presidência da Central Única dos Trabalhadores em julho de 2005 -, ele é apontado como um dos coordenadores da campanha da reeleição. Sua tarefa será cuidar dos sindicatos e dos movimentos sociais. Marinho aparenta tranqüilidade com as inevitáveis comparações que vão marcar a campanha eleitoral. Tem circulado por onde anda com um calhamaço de documentos que comparam os principais indicadores dos dois governos. "Vamos comparar a competência e a eficiência e ver quem pode mais, quem pode cuidar do Brasil melhor. Eles (os tucanos) tiveram oito anos à frente do país. Vamos comparar os nossos quatro anos com os oito anos deles", avisou. Marinho é personagem central na Esplanada dos Ministérios e tem suas críticas à política econômica. Lamenta o conservadorismo do Banco Central (BC) e diz que a instituição é "autônoma até demais", informando que essa discussão não é prioritária dentro do governo. Quanto à política fiscal do ministro Antonio Palocci, Marinho defende uma calibragem e reconhece que o superávit primário é uma necessidade. "O ministro Palocci quer um esforço maior, mas o governo resolveu essa questão definindo o patamar de 4,25%. Está um pouquinho alto, mas é aceitável. O que não dá é aumentar. Mas acabou a polêmica e não tem porque ministro ficar fazendo marola com esse debate", avisa. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual é a importância, neste ano eleitoral, de o ministro do Trabalho apresentar para o presidente avanços importantes no salário mínimo, na criação de empregos, no poder de compra dos salários? Como é a sua relação com os movimentos sociais, não apenas com sindicatos? Luiz Marinho: Essa é uma construção que vem desde o início do governo, com os companheiros Jaques Wagner e Ricardo Berzoini. Mas também tem uma relação com o conjunto do governo. Costumo dizer que não há milagre para o emprego e para a distribuição de renda se não há economia saudável, com crescimento. Em 2003, quando o presidente Lula assumiu o governo, a economia estava em flagrante desastre. Em 2005, apesar de não ter sido tão bom como em 2004, tivemos média mensal de geração de 104 mil empregos. Comparando os tamanhos das economias do Brasil e dos Estados Unidos, vemos como essa média é boa. Os americanos geraram média mensal de 200 mil empregos. Estamos gerando empregos em uma velocidade bastante significativa. Em 2006, se crescermos como em 2004, vamos agregar mais 1,5 milhão de empregos formais. São números bastante significativos e isso ajudará a saúde da economia do país.

Valor: Quando o sr. assumiu o ministério, em julho de 2005, avisou que desistia de ser candidato a deputado neste ano. Isso está mantido? Marinho: Sim. Até o fim do mandato serei o ministro do Trabalho. Só o presidente Lula pode definir de forma diferente.

Valor: Quem é mais fácil de enfrentar nessa eleição? O prefeito José Serra ou o governador Geraldo Alckmin? Marinho: Quem quer ser campeão não pode escolher adversário. Qualquer um dos dois está bom para nós. Vamos comparar a competência e a eficiência e ver quem pode mais, quem pode cuidar do Brasil melhor. Eles tiveram oito anos à frente do país. Vamos comparar os nossos quatro anos com os oito anos deles.

Valor: A decisão do Copom em reduzir em 0,75 ponto percentual os juros sinaliza a manutenção da postura conservadora do Banco Central. Dá para crescer 5% em 2006 nesse ritmo? Marinho: Dá para crescer. Em 2004 eles também foram conservadores. Infelizmente isso continua e eles são zelosos demais, em excesso. Zelo é importante. A sociedade tem como conquista importante o controle da inflação e os trabalhadores são os que mais perdem com a inflação. O poder de compra do salário mínimo vem crescendo bastante porque o valor vem aumentando, a inflação está controlada e ainda há a desoneração tributária. Mas é preciso construir um patamar de crescimento e há espaço para cortar mais os juros, além do 0,75 ponto da reunião passada. Melhor assim que nada. Temos, infelizmente, que conviver com essa visão conservadora do Banco Central. Mesmo assim, podemos crescer 5% em 2006.

Valor: Essa discussão sobre a autonomia do Banco Central está congelada no governo? Marinho: Não sei porque insistem nisso. O BC é autônomo até demais. Só se fosse para diminuir um pouco essa autonomia. Ele tem toda a autonomia possível. Se não fosse assim, teria cortado mais que 0,75. É essa autonomia que leva a esse tipo de decisão.

Valor: É muito comum no mercado financeiro e no FMI encontrar quem defenda a autonomia formal do BC e não apenas a operacional. Marinho: O FMI não tem muita autoridade para ensinar alguém a governar um país. Se fosse assim, todos os países que seguem suas orientações estariam bem. Nós, para construir esse momento positivo da economia tivemos de sair da orientação deles. Buscamos várias alternativas de microfinanças para poder retomar o crescimento. Não é orientação do FMI permitir o empréstimo consignado. Também não é o BNDES oferecer financiamentos mais baratos para investimentos. Se depender do FMI, acabamos com a TJLP.

Valor: Então, esse debate não é prioritário no governo. Marinho: De jeito nenhum. Prioridade é pensar em crescimento contínuo, desenvolvimento da questão tributária que precisa ser ajustada. A indústria reclama muito da carga tributária. Temos de trabalhar uma redução dessa carga. É preciso fortalecer o FGTS e o FAT e criar outros fundos que possam financiar o desenvolvimento com distribuição de renda. Resolver os problemas habitacionais, de saneamento, de infra-estrutura é prioridade para que o Brasil suporte crescimento contínuo. Se crescermos 5% por alguns anos, precisamos de investimentos pesados. Esses são os focos.

Valor: A política fiscal do ministro Antonio Palocci atrapalha uma maior criação de empregos, uma distribuição de renda mais rápida e o crescimento sustentável? Esse superávit primário não tira muito dinheiro do investimento público? Marinho: Aí tem uma coisa que precisamos ir calibrando. Evidente que a questão fiscal pesa no investimento mas é necessária. Antecipamos o pagamento da dívida com o FMI e economizamos em juros. Vamos melhorando o perfil da dívida. O superávit é uma necessidade. Mas o tamanho do superávit foi discutido em 2005. O ministro Palocci quer um esforço maior, mas o governo resolveu essa questão definindo o patamar de 4,25%. Muitos acham que os 4,25% são altos demais. Outros, como Palocci, acham que é pouco. Mas essa meta está consolidada. Está um pouquinho alto, mas é aceitável. O que não dá é aumentar. Mas acabou a polêmica e não tem porque ministro ficar fazendo marola com esse debate.

Valor: Sua presença no governo tornou mais comum a retomada do contato do presidente com antigos companheiros metalúrgicos? Marinho: Sim. Ele encontra muita gente amiga. Na quinta-feira mesmo ele falava do Carrapicho, antigo militante do sindicato, que ele encontrou em uma viagem. Lula gosta de manter essa relação. Um companheiro que teve de amputar as duas pernas, o Fernando Marimbondo, está em uma casa de saúde em Santo André e Lula sempre acha uma maneira de recebê-lo. O último encontro dos dois foi no lançamento da pedra fundamental da universidade pública do ABC. Encontros em Brasília são mais difíceis porque as pessoas não têm como viajar tanto. Mas, às vezes, Lula organiza esses encontros na Granja do Torto. O presidente é uma figura humana que não esquece do seu povo, dos seus amigos, da sua trajetória. Dona Marisa também não esquece de ninguém.

Valor: Qual é a relação do presidente Lula, candidato natural à reeleição, com essa volta às origens? Marinho: Não sei se há exatamente essa conotação. Ele nunca abandonou as origens. A relação com os movimentos sociais é um exemplo. A eleição de Lula provocou uma distância entre o que nós criamos de expectativa e as possibilidades reais de concretizá-las. Isso foi um grande choque, um grande problema. Lula jamais abandonou suas origens, suas convicções e suas bandeiras. Ele está demonstrando isso no debate do salário mínimo, da correção da tabela do IR, na reforma agrária e na abertura que construiu para institucionalizar, para valer, a democratização participativa. As pessoas até questionam o que significa esse conjunto de setores que têm liberdade para debater e construir e elaborar a política. Não é uma tentativa de substituir a democracia representativa. O Brasil tem sua casa democrática no Congresso, mas é preciso combinar com a democracia mais direta. As duas coisas devem estar combinadas. Lula no governo buscou representar isso. Se comparadas, nesses três anos, as possibilidades de participação dos movimentos sociais, não vamos encontrar nada parecido em nenhum governo. Buscamos criar condição de resolver a questão econômica para, num processo de projeção de crescimento da economia, fazer com a participação da sociedade uma contínua distribuição de renda e inclusão social. É isso que está colocado no horizonte.

Valor: O que está dificultando o acordo do salário mínimo? É o IR? É a antecipação do reajuste? É o Orçamento? Marinho: O presidente Lula tem dito, e eu procuro reproduzir isso na negociação, que nós vamos buscar um equilíbrio orçamentário. Não vamos cometer irresponsabilidades. Não é por ser um ano eleitoral que o aumento vai ser maior. A economia criou condições de discutir um aumento maior. Os patamares da negociação são propícios para consolidar o acordo na terça-feira (hoje). Estou convicto disso. Não quero adiantar a solução que o presidente vai dar na terça-feira. Sempre que antecipamos o que tem de ser debatido na mesa de negociação criamos desgaste e irritação. Evidente que o problema do Orçamento é o que dificulta. Se não fosse isso, já teríamos fechado o acordo.

Valor: Neste ano de eleições, o Ministério do Trabalho vai ser uma bandeira para o presidente Lula. Marinho: Creio que os dados são positivos e comparáveis com as gestões anteriores. Além do saldo positivo de 3,42 milhões de empregos formais desde o início de 2003, a arrecadação crescente do Fundo de Garantia mostra a evolução do mercado de trabalho.

Valor: O sr. já disse que os prefeitos têm de se adaptar à política de valorização do salário mínimo e também comentou que há municípios demais no Brasil. O que tem de ser feito? Marinho: A sociedade, em algum momento, terá de fazer esse debate. Foi um erro dar autonomia a tantos distritos sem analisar a condição efetiva dessa autonomia. Criar um município que não tem riqueza suficiente para se sustentar é algo que não deveria ocorrer. Sobreviver só de repasses não dá. Outro erro é permitir a autonomia de algumas áreas que têm muita renda e pouca gente. Exemplo disso é a extração de petróleo que dá royalties. Não podemos ter um obstáculo à distribuição da renda porque a máquina de algumas cidades não tem estatura suficiente para sobreviver. Criamos municípios demais no Brasil. Mas esse debate não está colocado na agenda do governo.

Valor: As Confederação Nacional da Indústria (CNI) está contestando o reconhecimento, via projeto de lei, jurídico das centrais sindicais. Alegam que seria necessária uma emenda constitucional. Qual é a posição do governo? Marinho: A Constituição tem uma dubiedade com relação a isso. É aí que está o espaço para esse reconhecimento. Ela manteve a unicidade sindical e, ao mesmo tempo, reconhece a liberdade de organização sindical. Se tem liberdade, pode ter mais de uma entidade. Os parlamentares poderão ter essa interpretação e se algum desses projetos for aprovado, certamente o Supremo Tribunal Federal será acionado. Temos consciência disso. Provocar essas polêmicas é o que faz a sociedade avançar. Sabíamos que haveria esse questionamento, mas não vamos fugir da situação. Não construímos condições objetivas de aprovar uma emenda constitucional neste momento. Vamos para a infra-constitucional. Quem sabe isso ajuda a firmar uma convicção. Apoiamos essa idéia.

Valor: É comum ouvir que a legislação trabalhista é um obstáculo para o crescimento das empresas. Qual é a sua visão dessa proposta de flexibilização? Marinho: O Brasil é engraçado. Dizem que somos atrasados, mas nós mesmos não conseguimos um entendimento sobre o que fazer. Acho importante pensar as reformas sindical e trabalhista. Boa parte do empresariado brasileiro reclama mas não colabora para a construção de um acordo. Temos uma grande demanda nas relações entre capital e trabalho que acaba na Justiça. A cada ano isso só aumenta. Será a culpa é só da legislação? Ou será que é ausência de instrumentos de negociação? Estão na reforma sindical esses instrumentos mais eficientes de negociação. Dizem que a lei é rígida, mas a rotatividade da mão-de-obra é enorme no Brasil. A legislação trabalhista protege o indivíduo, mas não protege o coletivo. Temos de mudar o conceito da contratação, para que ela tenha o mesmo peso da lei. Os empresários bloqueiam esse debate.