Título: Força do PCC resiste à administração linha-dura
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2005, Especial, p. A10

Quase cinco anos depois da eclosão da maior rebelião de presídios já registrada no mundo, o governo paulista conteve, mas não desarticulou o Primeiro Comando da Capital (PCC), o grupo que dominou 29 estabelecimentos prisionais e fez 25 mil reféns em 18 de fevereiro de 2001. "O PCC existe, está com boa capacidade de articulação, que se prova com a agilidade deles na substituição de lideranças. No momento em que isolamos seus comandantes, a troca é rápida", reconhece Nagashi Furukawa, um decano entre os secretários estaduais de São Paulo: ocupa a pasta da Administração Penitenciária desde 1999, dois anos antes do governador paulista Geraldo Alckmin assumir o governo. Das 12 rebeliões já registradas, este ano, Furukawa afirma que em pelo menos duas houve a clara participação do PCC. Com uma população carcerária que cresceu 200% nos últimos dez anos, o recrutamento é fácil. "O preso novo em uma penitenciária grande se sente inseguro e passa a pagar a proteção, por meio de sua família". Liderado inicialmente por José Márcio Felício, o "Geleião", Cesar Roris, o "Cesinha" e Marcos Camacho, o "Marcola", o PCC atuava de dentro para fora dos presídios e teria estado envolvido em ações como o assassinato do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, em setembro de 2001. No ano seguinte, uma guerra dentro da cúpula da organização fez com que "Geleião" passasse a colaborar com a polícia, que desmontou centrais de telefonia mantidas pela entidade e prendeu advogados e parentes que serviam de mensageiros e tesoureiros. Eufóricas, autoridades policiais chegaram a dar o PCC como terminado, em novembro de 2002. A resposta veio poucas semanas depois: em março de 2003, houve três atentados com granadas, um deles na sede da secretaria de Administração Penitenciária. A sequência terminou com o assassinato do juiz corregedor em Presidente Prudente, Antonio José Machado Dias, provavelmente a mando de "Marcola". Um egresso da Febem, "Marcola" é tido como o líder máximo do PCC. Está detido na penitenciária de segurança máxima de Presidente Bernardes. Por trás das grades, a inovação do governo estadual para conter o PCC foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), hoje com 260 presos, 26% dos quais com passagem anterior pela Febem. No RDD, o preso é mantido sob vigilância durante todas as horas do dia. Não pode ter acesso a nenhuma informação por TV, rádio ou jornal. É mantido dentro de celas durante 23 horas por dia. O tempo de internação é controlado pelo Poder Judiciário. Furukawa admite que é preciso algo além do RDD para diminuir a articulação do crime dentro dos presídios. Cita a entrega de 750 novas celas individuais em Avaré. A cela individual garantiria o isolamento, sem a necessidade das limitações e dos controles exigidos pelo Judiciário no caso do RDD. Nos quase cinco anos de governo Alckmin, a grande ação administrativa no sistema prisional foi a substituição das cadeias dentro das unidades policiais por centros de detenção provisória (CDPs) administrados por agentes penitenciários. Mas a superlotação permanece, mesmo com o aumento de 62 para 139 unidades de detenção entre 1999 e 2005. O maior presídio do Estado hoje, o Adriano Marrey, em Guarulhos, conta com 2,2 mil presos. O número ideal, segundo Furukawa, seria 800. "A superlotação torna difícil o controle do preso, mas como a rotatividade nos CDPs é muito grande, isto atenua o problema", diz. A estratégia do governo estadual para atenuar o problema da superlotação é alvo de críticas. "Nunca foi tão fácil ir para a cadeia, mas nunca foi tão fácil sair dela. O governador, com o apoio do governo federal, conseguiu aprovar o fim do exame criminológico, facilitando a progressão de pena", afirma o juiz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Anti-Drogas no governo Fernando Henrique. O exame criminológico era exigido para que um preso pudesse migrar da condição de recluso para o sistema semi-aberto. Consistia em uma série de avaliações dentro do presídio para medir o grau potencial de periculosidade do detento. "Com o fim do exame criminológico, em dezembro de 2003, a progressão passou a ser automática, condicionada apenas ao bom comportamento. Isto deve aumentar os índices de reincidência. É o tipo de lei que o bandido gosta", diz. Não há indicadores que permitam calcular a evolução da reincidência. Segundo o censo penitenciário de 2002, 58% dos presos em regime fechado e 37% dos que estavam no Semi-Aberto eram reincidentes. O número global era de 42%, o que seria aceitável, segundo Furukawa. "É um fato que o número de solturas aumentou depois do fim do exame, mas a queda na incidência de crimes depois disso é um sinal de que este aumento das libertações não afetou a segurança pública", rebate Furukawa. Para o secretário, " a avaliação que se fazia era completamente subjetiva". Se pudesse, o secretário gostaria de ir além. "Pretendemos apresentar ao Congresso Nacional uma proposta transferindo a concessão de benefícios a um presidiário para o âmbito do Executivo, e não do Judiciário", afirmou. Outra idéia elaborada por Furukawa seria limitar a cobertura de motins e rebeliões pela imprensa. "No episódio da mega-rebelião de 2001, o rastilho de pólvora foi a transmissão pela TV. Estes episódios deveriam ser noticiados depois da situação ser controlada. Você entenderia isso como uma censura à imprensa?", indagou a este jornal o secretário.(C.F)