Título: Alckmin triplica gastos com Febem em 2006
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2005, Especial, p. A10

Segurança Pública Funcionários suspeitam que o PCC já esteja implantado na instituição e lidere rebeliões

Sob pressão constante de ativistas nacionais e internacionais de Direitos Humanos, da Justiça, do Ministério Público e da mídia, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) chega a seu último ano de mandato frustrando as expectativas de debelar a crise da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem). Com recorde de fugas este ano e uma média de uma rebelião por semana no primeiro semestre, a questão do menor infrator é o foco de noticiário negativo de seu governo e principal ponto vulnerável na imagem de bom gestor que o presidenciável tucano tenta construir. Na reta final, corre-se atrás do prejuízo. O investimento previsto para 2006 é de R$ 86 milhões, superior ao que foi dispendido nos últimos três anos. Se a meta for cumprida, será aproximadamente o triplo do que foi gasto em 2005. Até 21 de novembro, o total gasto com investimento era de R$ 29,8 milhões. Em março, às vésperas do fim do prazo para a desincompatibilização para algum cargo eletivo, Alckmin deve inaugurar sete das 41 unidades que ainda faltam para desativar o complexo Tatuapé, o principal foco das rebeliões. Ao longo do governo, o tucano entregou 28 unidades. O primeiro movimento do governo é transferir a responsabilidade para os prefeitos pelo atraso. "O ritmo é menor do que projetávamos porque as prefeituras resistem a aceitar infratores em seus territórios e este é nosso maior problema", disse o secretário da Justiça, Hédio Silva Júnior, pasta à qual a Febem está subordinada. O projeto de Alckmin é mais uma etapa da proposta de criar pequenas unidades, com lotação para 40 menores, próximas à origem dos infratores, espalhadas por todo Estado, com as atividades educativas prescritas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O primeiro a lançar um plano semelhante foi Luiz Antonio Fleury Filho, em 7 de abril de 1992. São treze anos de execução lenta do programa , em que o número de infratores em regime fechado pulou de 1,2 mil para quase 7 mil. Com a descentralização travada, Alckmin alterna políticas de contenção extrema com liberalidade na condução da autarquia. Trocou seis vezes de presidente da Febem em menos de cinco anos de administração e transferiu-a da pasta de Desenvolvimento Social para a de Educação e desta para a de Justiça. No momento, vigora a linha-dura . Além de responsabilizar ativistas de direitos humanos e mães de menores por parte dos tumultos na Febem, colocou a antiga secretária adjunta de Administração Penitenciária, Berenice Giannella, como presidente da instituição. A principal inovação no segundo semestre é a atuação do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), formado por 65 agentes penitenciários para auxiliar no controle de rebeliões. Especula-se que a nova gestão esteja preparando a introdução de um modelo análogo ao duríssimo Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que existe no sistema prisional adulto, para ser aplicado entre os menores. Por este sistema, os prisioneiros com alto grau de periculosidade são mantidos isolados e incomunicáveis por longos períodos. Uma representação foi formalizada pelo Ministério Público em setembro sobre o possível começo da implantação do regime na Unidade de Internação Tietê, no bairro da Vila Maria. Na representação, levanta-se a suspeita de que o GIR administraria de fato da unidade. Em sua defesa, a Febem alegou que a unidade da Vila Maria iria receber os menores líderes de motim de outras unidades, de modo a acabar com as sanções disciplinares coletivas . Os cabeças dos movimentos ficariam por lá entre cinco e trinta dias, como punição. Hoje, quando ocorre uma rebelião, todos , tenham ou não participado do tumulto, são trancados . Com a ação do MP, a idéia foi cancelada. Mas o secretário de Justiça ainda defende uma retomada . "O ECA poderia propor a criação de unidades especiais, com regime mais rigoroso, para os adolescentes com perfil de liderança. Aquilo (Febem) não é só uma escola, é uma unidade de contenção. Hoje, a Febem é uma tentativa de escola em um regime de reclusão", afirmou Silva Júnior. O primeiro semestre do ano foi um dos mais tumultuados da instituição. O então secretário de Justiça Alexandre de Moraes, que acumulava o cargo com a presidência da Febem, acusou funcionários da autarquia de sabotarem sua gestão, promovendo a fuga em massa de infratores que teriam sido espancados depois de rebeliões. O episódio culminou em fevereiro com a demissão de mais de 20% dos funcionários da Febem, em um total de 1.751 desligamentos, sob o aplauso de ativistas de direitos humanos e do Ministério Público, que desde 1997 investiga a prática constante de maus tratos nas unidades . A demissão foi posteriormente revogada pela Justiça e 750 funcionários já voltaram ao trabalho. Neste período, a redução de pessoal fez com que os menores infratores tomassem o controle de unidades, segundo a representação do Ministério Público. A gestão ciclotímica da Febem, no passado, teria ajudado a implantar na instituição o braço da principal organização criminosa do Estado, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que o governo tenta debelar dentro do sistema prisional adulto. "O PCC tem influência dentro das unidades do Tatuapé, Vila Maria e Raposo Tavares", disse o coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves. "Isto começou quando houve a transferência temporária dos infratores para os cadeiões e centros de detenção provisória (CDPs) do sistema prisional adulto, depois das rebeliões de 2003 e 2004. Lá houve o contato. Agora a molecada canta o hino do PCC no pátio todo dia", disse o diretor do sindicato dos trabalhadores da Febem (Sintraemfa), Antonio Gilberto. "Só um lunático acreditaria na presença do PCC ou de qualquer outra organização criminosa na Febem. Temos o controle total", rebate Silva Júnior. Por meio de sua assessoria de imprensa, a presidente da Febem comentou que o próprio crime organizado veta a participação de adolescentes, pela dificuldade de controlá-los até para a prática de atos criminosos. Mas admitiu que há manifestações de admiração pelo PCC dentro de algumas unidades. Este jornal tentou visitar o Complexo Tatuapé, mas a visita não foi agendada. Na história da Febem no governo Alckmin, o único momento de paz aparente ocorreu nos anos de 2001 e 2002, quando a entidade foi presidida pelo hoje secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho e pela pedagoga Maria Luiza Granado. O número de 52 rebeliões e 1.177 fugitivos em 2000 caiu para duas rebeliões e 122 evasões no ano seguinte e cinco motins e 103 evadidos em 2002. "Conseguimos isso com disciplina e regramento, em que os menores e os funcionários sabiam com clareza o que podiam e o que não podiam fazer dentro das unidades", explica o atual secretário. De acordo com Gilberto, à época presidente do sindicato, o êxito da dupla foi em tirar a Febem da exposição pública. "Estabeleceu-se naquela época uma tranca coletiva permanente, em que o menor ficava menos de 30% de seu tempo fora da cela, junto com contratações emergenciais e pagamentos de horas extras que duplicou a relação de trabalhador por internado",disse. Informado das declarações por e-mail, Abreu não respondeu. Com o começo do segundo mandato de Alckmin, Maria Luiza foi substituída pelo promotor Paulo Sérgio Oliveira Costa, que cortou horas extras, implantou uma corregedoria e enfrentou 34 rebeliões em 2003. Manteve postura dura contra as ONGs e bateu boca pela imprensa com a inspetora da ONU Asma Jahangir, que classificou como "horrível" as condições em que os internos eram mantidos nas unidades. No ano seguinte, foi a vez do educador Marcos Antonio Monteiro assumir. Monteiro também administrou o menor orçamento para investimento que a Febem teve durante todo o governo Alckmin. Foi também o começo da fase em que a direção da Febem esteve mais próxima da entidade que reúne as mães de infratores e dos ativistas na área, que durou até o fim da gestão de Alexandre de Moraes. O ritmo de rebeliões e fugas, entretanto, não se alterou.