Título: Inflação baixa gera poder de compra mais alto em 40 anos
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2006, Brasil, p. A3

O salário mínimo de R$ 350, anunciado anteontem pelo governo, deverá proporcionar o mais elevado poder de compra ao trabalhador em 40 anos, graças ao ambiente de inflação controlada vigente no país. Dada a inflação projetada pelo mercado financeiro, o novo mínimo promete um valor médio real de R$ 337,13 no seu período de vigência, abaixo apenas dos R$ 338,39 registrados em 1966. Os cálculos foram feitos a partir de dados sobre o salário mínimo real disponibilizados pelo IpeaData, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Os números mostram basicamente que de nada vale um alto reajuste nominal do mínimo se no período seguinte seu poder de compra não for preservado, com a inflação sob controle. Ao anunciar o novo mínimo, o governo lembrou que o salário estava sendo fixado no maior valor real em 20 anos. De fato, o salário mínimo fixado em maio de 1985, quando fixado, equivalia a R$ 354,11, deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a valores de dezembro de 2005. O que faltou dizer é que, devido à alta inflação do período, cinco meses depois - em outubro de 1985 - o salário mínimo real equivalia a apenas R$ 219,20, sempre a preços de dezembro de 2005. Em 1985, o salário mínimo médio real foi de apenas R$ 264,48. Os prognósticos para o novo salário mínimo de R$ 350 são mais promissores. Os analistas econômicos projetam para o primeiro trimestre de de 2006 uma inflação de 1,22% no INPC, segundo a pesquisa de expectativas de mercado do BC. Assim, quando entrar em vigor, em 1 de abril, o salário mínimo real terá caido para R$ 345,76. Nos 12 meses seguintes, perderá cerca de 0,4% de seu valor de compra por mês, segundo projeção de mercado. Tudo considerado, o valor médio esperado para o novo mínimo é de R$ 337,13. O salário não atinge um poder de compra médio tão elevado desde o período de 12 meses encerrados em março de 1966, quando foi de R$ 338,39. Os dados do IpeaData são deflacionados pelo INPC a partir de 1979 e, antes disso, pelo Índice do Custo de Vida (ICV-RJ) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O fenômeno da corrosão dos salários em um ambiente de alta inflação foi descrito pela primeira vez, de forma sistematizada, pelo economista Mário Henrique Simonsen, no seu livro "A experiência Inflacionária Brasileira", de 1964. Ele desenhou um gráfico que mostrava que os salários reais tipicamente oscilavam entre picos instantâneos, quando são concedidos os reajustes, e vales, após progressiva corrosão de seu poder de compra. Hoje, o conceito é trivial, mas na época era bastante inovador, e acabou influenciando toda uma geração de economistas que se dedicaram a estudar a inflação inercial. Por isso, a teoria é conhecida como a "curva de Simonsen". Ironicamente, os maiores valores mensais reais dos salários mínimos costumam ser verificados em épocas de inflação alta, quando é necessário conceder reajustes mais elevados para fazer frente ao período seguinte de elevação de preços. Foi o caso de 1985, quando o salário mínimo atingiu um pico, e a inflação atingiu 239,06% no ano.