Título: Quem dá mais?
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 15/05/2010, Mundo, p. 26

Na véspera de embarcar para Teerã, Lula diz em Moscou que a chance de um acordo com o regime islâmico é de 99%. O presidente russo, Dmitri Medvedev, aposta em uma probabilidade de 30%

A confiança quase absoluta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na possibilidade de um acordo entre o Irã e o Ocidente parece não ter contagiado o colega russo, Dmitri Medvedev, após um encontro em Moscou, onde tratou também de assuntos da agenda bilateral(1). Enquanto o brasileiro disse acreditar que tem 99% de chances de convencer Teerã a sentar-se à mesa para definir um esquema aceitável para enriquecer seu urânio, Medvedev não vê mais que 30% de probabilidade de sucesso. Em Washington, a viagem de Lula a Teerã também não alimenta grande otimismo. Ontem, a secretária de Estado Hillary Clinton sugeriu que o Brasil tem pela frente uma montanha muito maior do que imagina.

Após a reunião com Medvedev, Lula se disse otimista ontem, hoje e pode ser que amanhã em relação ao diálogo sobre o programa nuclear iraniano. Quero ser ainda mais otimista quando tiver me reunido com o (presidente iraniano Mahmud) Ahmadinejad, afirmou. Também quero ser otimista, como o presidente Lula, então dou chances de 30%, retrucou o anfitrião, que classificou a visita como uma espécie de ultimato a Teerã. Espero verdadeiramente que a missão do presidente do Brasil seja coroada de sucesso. Essa pode ser a última chance antes da adoção de medidas pelo Conselho de Segurança da ONU, declarou Medvedev. Há dois dias, um alto funcionário do Departamento de Estado americano disse que Washington encarava a viagem de Lula como a oportunidade derradeira para uma solução negociada.

O presidente brasileiro chega na noite de hoje a Teerã e fica até a manhã de segunda-feira, quando discursará na abertura da Cúpula do G-15, que reúne os países não alinhados. Antes de chegar ao Irã, ele fará escala no Catar, onde vai encerrar um seminário de empresários dos dois países e até assistir a uma partida de futebol da Copa do Emir, no estádio Khalifa. Lula será recebido pelo emir (chefe de Estado), xeque Hamad Bin Khalifa Al-Thani, e será homenageado com almoço no palácio real.

Quem seguiu na frente para Teerã foi o chanceler Celso Amorim, que desembarcou na noite de ontem e deve se reunir na manhã de hoje com o colega iraniano, Manouchehr Mottaki. O ministro brasileiro, que esteve no país há menos de um mês, tentará agilizar as negociações para os encontros de Lula com o presidente Mahmud Ahmadinejad e o líder espiritual, o aiatolá Ali Khamenei, na manhã de domingo.

Na última semana, Ahmadinejad disse, em conversa por telefone com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que aceitaria em princípio as bases da proposta brasileira para a troca de urânio. O Itamaraty e o Planalto, contudo, negam que haja um texto a ser discutido. O Brasil considera que elementos técnicos que fornecem uma porta para um eventual acordo já estão sobre a mesa desde outubro passado. () Lula vai levar a mensagem do diálogo, a mensagem de que todos devem se sentar à mesa para negociar e chegar a uma resolução para esse impasse, disse na terça-feira o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach.

Repensar a relação A decisão do Brasil de continuar com a mão estendida a Teerã coloca a relação do país com os Estados Unidos sob um novo desafio. A opinião é do embaixador norte-americano em Brasília, Thomas Shannon, que concedeu entrevista ao jornal britânico Financial Times. Para Shannon, embora positiva de uma maneira geral, a postura brasileira nos coloca um desafio, porque significa que temos de repensar a forma como entendemos nosso relacionamento.

Segundo o jornal, enquanto Lula tem esperanças de conseguir um acordo com Teerã, os Estados Unidos temem que a dedicação brasileira complique os esforços de chegar a um acordo para as sanções nas Nações Unidas. Mas alguns funcionários americanos esperam que o senhor Lula da Silva concorde com uma nova rodada de sanções, se o Irã declinar em assumir compromissos durante essa viagem, completa a reportagem.

1 - Mais uma gafe Na hora de falar sobre as relações com a Rússia e a parceria estratégica entre os dois países, o presidente Lula acrescentou mais uma gafe à sua coleção. Ontem, ele provocou uma situação pelo menos embaraçosa quando, ao lado do colega Dmitri Medvedev, disse que passou grande parte da juventude sendo contra a invasão da Rússia no Afeganistão, em 1979. A ocupação, malsucedida e custosa, foi empreendida pela hoje extinta União Soviética comunista e é objeto de crítica generalizada no país, atualmente. Mesmo assim, segundo a imprensa presente no local, o constrangimento só não foi maior porque a frase não foi mencionada pelo tradutor oficial do Kremlin. Momentos antes, um problema na tradução de uma pergunta feita pela imprensa brasileira já havia deixado Medvedev irritado.

Quero ser ainda mais otimista quando tiver me reunido com o presidente Ahmadinejad

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

Essa pode ser a última chance antes da adoção de medidas pelo Conselho de Segurança da ONU

Dmitri Medvedev

Hillary vê montanha

Às vésperas da visita inédita e histórica do presidente Lula a Teerã, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, demonstrou que Washington não acredita, de fato, em uma saída negociada para a questão do programa nuclear iraniano nem mesmo com a intercessão brasileira. A conversa entre o presidente Lula e o presidente Medvedev, hoje, em Moscou, ilustrou o tamanho da montanha que os brasileiros estão tentando escalar, disse Hillary, que afirmou ter conversado detalhadamente sobre o assunto com o colega brasileiro, Celso Amorim.

Nas últimas semanas, os governos de Washington e Brasília, em especial os dois chanceleres, reiteraram seus pontos de vista divergentes sobre o impasse com o Irã. O Brasil, como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sinalizou até aqui a disposição de votar contra a adoção de novas sanções ao regime justamente o foco da atividade diplomática americana entre os demais países representados no conselho.

Os brasileiros ainda estão esperançosos de que os iranianos vão concordar em conversar com o Grupo dos Seis (formado pelos membros permanentes do Conselho de Segurança e pela Alemanha), de que eles vão aceitar a proposta do reator de pesquisa, que vão começar a cumprir suas obrigações internacionais. () Mas o presidente Medvedev já disse que não acredita que haja sequer um terço de chance, completou, durante entrevista coletiva com o novo chanceler britânico, William Hague, na capital americana.

Segundo Hillary, os Estados Unidos consideram que não haverá uma resposta séria dos iranianos até que o Conselho de Segurança entre em ação, com a aprovação de mais punições ao regime islâmico. A liderança mundial tem se movido na mesma direção de reafirmar a autoridade do Conselho de Segurança () e enviar uma mensagem inequívoca à liderança iraniana, destacou.

O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU), Yukiya Amano, fez coro com as reticências de Hillary e do próprio Medvedev quanto à possibilidade de que o Irã tome uma posição aceitável para a comunidade internaciona. Falando à agência de notícias Bloomberg, Amano disse que não viu indicações de que Teerã esteja se movendo em direção a um compromisso. Uma mudança de política é necessária no Irã, cobrou. (IF)