Título: Ameaça de instabilidade com o programa nuclear do Irã
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2006, Opinião, p. A8

Toda vez que o presidente iraniano Mahmud Ahmedinejad fala em público o mundo parece se tornar mais perigoso. O ultra-religioso ex-prefeito de Teerã ampliou sua escalada retórica desde que assumiu o cargo, pregando que Israel seja "varrido do mapa", mas há algo mais preocupante quando seu destempero vem acompanhado de atos e essas ações indicam o desejo de outra escalada - a nuclear. Como quase tudo que pode acontecer de ruim no Oriente Médio acontece, o embate que o Irã trava com a Agência Internacional de Energia Atômica tem um grande potencial desestabilizador em uma das regiões mais conturbadas do mundo. Quando Ahmedinejad compareceu à Organização das Nações Unidas em setembro para denunciar o "apartheid nuclear" patrocinado pelo Ocidente, seu discurso foi interpretado como um desastre diplomático e nada representativo do pensamento dos que detêm o poder de fato no Irã, o Conselho dos Guardiães e, antes de tudo, o aiatolá Ali Khamenei. Khamenei apoiou Ahmedinejad contra os líderes reformistas, que foram derrotados nas urnas. A impetuosidade do ex-prefeito, porém, logo provocou o furor dos reformistas e trouxe inquietação até na mais alta cúpula religiosa. Ele pregou uma segunda revolução iraniana, que alvejaria a corrupção, o que desagradou o clero xiita, e teve algumas de suas pretensões vetadas, como a indicação do novo ministro do Petróleo, que gere a maior de todas as riquezas do país. Entretanto, o que pareciam ser passos desengonçados de um aprendiz na política mostraram ser mais do que isso. No dia 10 de janeiro, inspetores iranianos removeram os lacres da instalação piloto para experimentos nucleares em Natanz e reiniciaram os preparativos para o enriquecimento do urânio, desconsiderando todas as advertências vindas dos EUA e mais de dois anos de negociações com Reino Unido, França e Alemanha. O desafio à AIEA foi um grave sinal de que Ahmedinejad não está falando sozinho, mas conta com o apoio de Khamenei, que, aparentemente, tinha se inclinado por uma linha menos isolacionista para o regime iraniano. O Irã vem mantendo um programa de pesquisas nucleares às escondidas da AIEA, ferindo o Tratado de Não-proliferação Nuclear e estaria a caminho de, em mais alguns anos, deter a tecnologia para a bomba atômica. Os iranianos colocaram os EUA em primeiro lugar, e a ONU depois, diante de um sério dilema. Os EUA lançaram de imediato a possibilidade de exigir sanções econômicas no Conselho de Segurança da ONU, caso o Irã não se adeqüe às regras da AIEA, restrinja seu seu programa nuclear e aceite ser monitorado de perto. A questão tornou-se delicada pelo fato de o Irã deter um oceano de petróleo - é o segundo maior produtor da OPEP - em um mundo pressionado pela escalada de preços da commodity, que voltaram a se colocar acima dos US$ 65 o barril. Em primeiro lugar, ainda que a custas de prejuízos internos, a saída de circulação de parte do petróleo iraniano jogaria as cotações bem acima das já elevadas cotações atuais, arruinando o bom ritmo de crescimento da economia mundial. As ações iranianas são um embaraço maior para os americanos. Os EUA se desmoralizaram diante de seus parceiros ao mentirem sobre a existência de armas de destruição em massa em poder do ditador sanguinário Saddam Hussein, o pretexto para a invasão do Iraque em 2003. O Irã capitaliza este desgaste para arrumar espaço para seu programa nuclear, do qual os indícios existentes podem ser mais consistentes e até mais graves do que os que supostamente alimentaram as invencionices do governo Bush sobre o Iraque. Após quase três anos metidos em um atoleiro no Iraque, os EUA não têm condições de intervir militarmente, caso seja abertamente desafiado pela desobediência do Irã a regras internacionais de convivência. E a perspectiva de que o Irã possa chegar a fabricar artefatos nucleares é mais um pesadelo na noite de horrores do Oriente Médio - Egito, Turquia e outros países serão tentados a seguir o exemplo, para quebrar o monopólio de Israel na região. A UE e os EUA terão de seguir uma delicada estratégia de ameaças e persuasão. Além de sua difícil execução, retaliações poderão minar ainda mais o terreno onde se movem as tropas americanas no Iraque, de cujas eleições emergiu um Congresso cuja maior bancada é xiita - como os aiatolás do vizinho Irã.