Título: O manejo e a preservação da floresta amazônica
Autor: Ronaldo Seroa da Motta
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2006, Opinião, p. A8

Há muito o que melhorar em termos de política ambiental na região

O processo de desmatamento na Amazônia não difere muito daquele que ocorreu em outras florestas ao redor do mundo ao longo dos tempos. É a cobertura vegetal dando vez ao avanço da urbanização, da agropecuária, da exploração madeireira e de outras atividades econômicas. Isso ocorreu até mais rápido nas florestas temperadas do hemisfério norte, onde a baixa densidade de biomassa e a homogeneidade da vegetação permitiam um esforço menor na conversão do solo florestal. Exceto pela Amazônia e por outras florestas úmidas na África, hoje não há um bioma com mais de 80% da área original preservada. Esse processo não se deveu exclusivamente à expansão recente das economias ocidentais. Muito antes da revolução industrial, partes da Europa já estavam com suas florestas totalmente convertidas. É só lembrar que naquela época a energia motora da humanidade era a lenha, e a madeira era o insumo básico para construção de casas, navios e tantos outros bens materiais. As diferenças entre países e dentro dos países são ainda, em alguns casos, avassaladoras. Mas é equivocado imaginar que os malsucedidos foram vítimas da degradação ambiental. Todos os países que hoje consideramos desenvolvidos, em algum momento da sua evolução, transformaram de forma radical o seu capital natural em capital material e atingiram níveis elevados de prosperidade. A riqueza dessas economias lhes permite hoje correr no sentido inverso, com largas somas de investimentos ambientais expandindo sua deteriorada base natural. Contudo, da mesma forma que desejamos o padrão de consumo material dos países ricos, nada mais lógico que desejemos também o seu padrão ambiental. Temos fracassado em ambos objetos de desejo. Os atalhos são complexos. Primeiro, os efeitos da degradação ambiental dependem da pressão sobre o meio e da capacidade de resistência desse meio, e assim os custos econômicos e ambientais se distinguem no espaço. Da mesma forma que a nossa renda nacional não nos permite a socialização de um padrão de consumo de primeiro mundo, devem também existir restrições semelhantes para a absorção do padrão ambiental. Isso não quer dizer que não podemos melhorar nossas políticas públicas. Tanto quanto é baixa a eficiência das nossas políticas sociais, gastando muito e realizando pouco, algo parecido deve ocorrer nas políticas ambientais. O receituário é o mesmo. Será que estamos focando nas áreas prioritárias? Temos algum critério que identifique nossos principais objetivos? Mesmo quando acertamos o foco, usamos os instrumentos compatíveis com os objetivos desejados?

Mundo tem de se fazer merecedor dos serviços ambientais da Amazônia, pagando por eles em vez de usá-los de graça

Padrão ambiental único em todo o planeta também é uma oportunidade para levantar barreiras comerciais e sanções diplomáticas. Mas há mais vantagens para os países ricos para esse multilateralismo ambiental. Veja, por exemplo, o caso da Amazônia. Estudos econômicos demonstram que cada hectare da floresta teria a capacidade de gerar benefícios ambientais em torno de US$ 100. Ou seja, na média, duas vezes mais do que hoje se gera com as atividades agropecuárias na região. Todavia, só 30% desses benefícios são capturados localmente na forma de extrativismo e turismo sustentável, muito pouco se comparado com a renda gerada com as atividades agropecuárias na região. Não parece então surpresa que a conversão da floresta seja boa para a economia local. Por outro lado, 70% desses benefícios ambientais estão relacionados com benefícios que são capturados por toda a humanidade, tais como a captura de carbono, a cura de doenças e a pura existência da flora e da fauna. Isso também se demonstra nas pesquisas econômicas que indicam que cada família dos países ricos estaria disposta a pagar, em média, de US$ 30 a US$ 50 por ano para a preservação da floresta. Como temos em torno de 400 milhões de famílias nos países ricos e o mesmo montante de 400 milhões de hectares na Amazônia, se houvesse uma forma de canalizar esses recursos, o proprietário de cada hectare na Amazônia poderia contar com essa renda adicional de cada família doadora e, aí sim, a conservação da floresta traria um ganho de bem-estar para ele e para a região. Há muito o que fazer e melhorar em termos de política ambiental na região, principalmente naquelas que regularizam os direitos de propriedade, pois grande parte da conversão se dá de forma legal no processo de titulação de terras devolutas. Por exemplo, a ampliação das áreas dedicadas às unidades de conservação, em particular as florestas nacionais para exploração madeireira cujo projeto de lei tramita no Congresso Nacional. Mais ousado ainda seria leiloar concessões para usos agropecuários de baixo impacto ambiental das enormes áreas ainda não privatizadas na região que apresentam alta aptidão agroecológica e estão afastadas dos corredores ecológicos. Assim, se estabeleceria um mercado formal e seguro de terras para acabar com a prática ineficiente da grilagem e do desmatamento improdutivo. Entretanto, com pagamentos pelos serviços ambientais ficaria muito mais fácil financiar tal empreitada e criar uma fonte de renda ecologicamente sustentável que desestimulasse o processo de conversão da floresta nas áreas já privatizadas. Algumas pessoas sérias, preocupadas com a nossa natureza, gostam de repetir que o brasileiro tem de se fazer merecedor da Amazônia, comprovando que a preserva. As evidências indicam o contrário: que o mundo tem de se fazer merecedor dos serviços ambientais da Amazônia, pagando por eles em vez de usá-los de graça, exigindo e criticando. Outros mais pessimistas temem a presença estrangeira da Amazônia. Pois bem, com esta divisão desigual de benefícios ambientais, a internacionalização da Amazônia já existe mesmo sem a sua ocupação.