Título: Administrados darão folga à inflação em 2006
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Pela primeira vez desde 1995, preços livres devem subir mais do que tarifas de serviços públicos

Em 2006, pela primeira vez desde 1995, os preços administrados devem subir menos do que os preços livres e dar um alento à inflação. Os efeitos benéficos da redução dos índices que reajustam os contratos de tarifas como energia e telefonia - que estão encerrando 2005 com uma variação inferior a 1,5% - serão sentidos com mais força no próximo ano. Além disso, após uma forte alta nos preços dos combustíveis, a expectativa é de que sigam bem comportados e pouco impactem a inflação no varejo. De 2000 até o final deste ano, os preços administrados subiram 95,75% - conta do departamento econômico do Bradesco que considera alta de 0,4% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em dezembro. Nesses mesmos seis anos, a inflação ao consumidor foi de 59,52%, sendo que os preços livres, de produtos como alimentos, eletrodomésticos e itens de higiene pessoal, subiram 47,73%. Assim, os preços livres impediram que a inflação fosse maior, enquanto as tarifas atuaram como vilãs. Neste ano, por exemplo, os preços administrados subiram cerca de 9% e vão contribuir com 2,6 pontos percentuais na inflação acumulada no ano, que deve ficar em torno de 5,7%, segundo estimativa do Bradesco. Já os preços livres vão impactar o IPCA em 3,08 ponto percentual, resultado de uma alta de 4,4% no ano. Em 2006, o cenário é diferente. Para uma previsão de inflação anual em 4,5%, a composição é a seguinte: 3,2 pontos percentuais virão dos preços livres e 1,3 ponto será o impacto das tarifas. Pelos cálculos do Bradesco, os preços controlados pelo governo deverão subir 4,23% em 2006. Já os livres devem avançar 4,61%, em uma inversão do movimento que marcou os últimos 11 anos. A pressão dos preços livres deve ficar principalmente por conta dos alimentos e da continuidade da rigidez dos preços de serviços privados, como mensalidades escolares, consertos de automóveis, reparos no domicílio e serviços pessoais em geral. Em 2005, os alimentos e bebidas medidos pelo IPCA devem subir apenas 1,7%, bem abaixo da média histórica de 4,6%, calculada pelo economista Carlos Thadeu Gomes Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O economista alerta para o fato de que os produtores vão terminar o ano com margens muito comprimidas. Como aposta em um aquecimento da economia no primeiro semestre de 2006, Gomes Filho acredita que haverá espaço para repasse de preços do atacado para o varejo. Já os economistas do Bradesco estimam que a maior pressão para a alta da inflação virá dos serviços livres, aqueles cujo preço não é controlado pelo governo. A rigidez apresentada nesses itens durante o ano de 2005 deve persistir no ano que vem. A inflação acumulada nesses preços até novembro deste ano chega a 7%, bem acima da inflação total. Na avaliação do Bradesco, esses preços não respondem de maneira satisfatória aos impulsos de deflação vindos do câmbio, juros e da desaceleração da atividade. A dinâmica da evolução de preços de serviços, como empregados domésticos, reparos em carros e cabeleireiro, por exemplo, está atrelada à concorrência do mercado. No entanto, na análise da equipe econômica do Bradesco, o fato é que esse tipo de serviço é difícil de ser substituído ou trocado. A decisão de demitir uma empregada que quer reajuste com base no aumento do salário mínimo e contratar uma que cobre menos, ou de mudar os filhos para uma escola mais barata não ocorre com tanta facilidade. Assim, os aumentos nos preços desses serviços tendem a continuar em 2006, ainda mais com a expectativa de expansão da massa salarial, que acaba por admitir maiores repasses. No entanto, a boa notícia é a de que dólar também deve seguir atuando como âncora para a inflação. Mesmo que o efeito maior da valorização do real frente à moeda americana já tenha ocorrido, essa apreciação ainda consegue segurar eventuais repasses de preços. Para Gomes Filho, o recente movimento de alta do dólar é algo passageiro. "A entrada de dólar vai persistir no próximo ano, pois a tendência para o saldo de conta de corrente e para o fluxo de capitais é de alta", afirma. Ele espera que a moeda americana feche 2006 valendo R$ 2,45. O economista-chefe do Credit Suisse First Boston, Nilson Teixeira, projeta um dólar ainda mais baixo, na casa dos R$ 2,3, em seu cenário-base, o que supõe inflação de 4,2% no ano. O real ainda valorizado vem da aposta em exportações de US$ 124 bilhões, que resultariam em um saldo de US$ 39 bilhões e a conseqüente manutenção da entrada de dólares no país. Com um real ainda valorizado, as perspectivas para os preços dos combustíveis também são animadoras. Após contribuírem com 0,42 ponto percentual na inflação ao consumidor deste ano, pois subiram, em média, 7,5%, em 2006 o impacto deve ser bem menor: 0,15 ponto percentual nas contas do grupo de conjuntura da UFRJ, o que resultaria em uma elevação de apenas 2,1% nos preços. A energia elétrica, ao contrário deste ano, também será ponto de alívio. Como o indexador que reajusta essas tarifas apresentou taxas bem baixas - até mesmo negativas - a partir da segunda metade desse ano, o acumulado em 12 meses para 2006 ficará abaixo do visto nos últimos anos. A expectativa é de um Índice Geral de Preços (IGP), que baliza os contratos de energia, na casa dos 4%. Com mais a parcela que diz respeito aos custos das empresas, o reajuste deve ficar em torno de 6,9%, contribuindo com 0,3 ponto percentual no IPCA do ano, menos do que o 0,4 de 2005, quando os preços subiram em média 7,9%. No caso da telefonia fixa, contudo, o índice para o reajuste das tarifas está mudando. Ele será uma mescla entre o IGP-DI e um novo indicador, o Índice de Serviços de Telecomunicações (IST), composto por vários outros índices, sendo que o principal deles é o próprio IPCA. A Rosenberg & Associados reproduziu o que seria o IST mensal e acumulado em 12 meses. Até novembro, o acumulado do IST ficou em 4,81%, bem mais próximo do resultado do IPCA (6,22%) do que do 1,66% do IGP-DI, que era antes o indexador dos contratos de telefonia fixa. Fernando Fenolio, da Rosenberg espera que em junho de 2006, data-base do reajuste de telefonia, o mix entre o IST e o IGP-DI acumulado em 12 meses fique em torno de 4%. Isso teria um impacto no IPCA do ano de 0,16 ponto percentual, o dobro do que a consultoria esperava antes da mudança de indexador.