Título: O custo da estabilidade
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2005, Opinião, p. A9

Para quem ainda possa ter dúvidas, o gráfico ao lado comprova aquilo que muitos sabem mas preferem ignorar: a estabilização brasileira tem sido garantida desde o Plano Real com altas taxas de juro real, em níveis muito além do padrão para países de similar envergadura. Esta é a verdadeira e a mais duradoura âncora do programa que derrubou a hiperinflação no país. Não é fácil montar um gráfico que, como este, parta de dezembro de 1974 e evolua desde então no tempo, atravessando tablitas, vetores de preços, confiscos e até a existência temporária de uma moeda virtual, a URV, um grande indexador que represou por quatro meses a inflação que comeu o cruzeiro real. Por isso mesmo, ao dedicar tempo para levantar os dados, o economista Oswaldo Assis Filho, diretor do banco Pactual, achou que fazia sentido trabalhar com a taxa Selic, aquela que o Banco Central usa para regular a liquidez da economia e que também funciona - uma aberração da realidade brasileira - como a principal remuneração da dívida pública interna mobiliária. A Selic é fixada a cada mês pelo BC (nos últimos anos, pelo Copom) e serve de base para as demais taxas de juros do sistema financeiro. Para encontrar a evolução do juro em termos reais (descontando a variação da inflação) foi utilizado o IPC-Fipe, cuja série histórica permite recuar tão longe quanto 1974. Assis contou com a ajuda de Rodrigo Celoto, da Fipe, para dimensionar a evolução dos juros nos últimos 30 anos. Fica claro que o juro despencou no Plano Collor com o confisco da poupança (era esse o objetivo), mas voltou a subir ainda em 1990 e manteve-se esses anos todos acima de 10% ao ano em termos reais, com exceção apenas de 2002, quando o BC cometeu o equívoco de reduzir os juros às vésperas de um momento político que se revelou particularmente conturbado. O gráfico aqui publicado mostra o comportamento da média móvel mensal da taxa Selic para um ano, ex post, ou seja, depois de efetivamente praticada. Mas Assis também fez exercícios considerando a variação da média móvel mensal para o período de cinco anos e para o período de dez anos. O comportamento do gráfico para períodos de cinco anos replica o formato da linha dos juros que se move pela média de 12 meses, apenas com menos sinuosidade, como era de se esperar. O resultado é interessante: medida pela média móvel mensal em períodos de 60 meses, a taxa Selic manteve-se persistentemente positiva em termos reais desde meados de 1983. Foi então puxada para níveis cada vez mais altos a partir da crise da dívida externa brasileira do início da década de 80, só caindo para próximo de zero em termos reais entre 1989 e 1990. O pico mais alto desta curva ocorreu justamente na época do Plano Real, entre 1994 e 1999, ano da desvalorização cambial, quando permaneceu acima da taxa real de 20% ao ano. Começou então a cair mais acentuadamente a partir de meados de 2001, atingindo a média de 10% ao ano no período de cinco anos em 2003 e 2004, mas embicando novamente para cima no primeiro semestre de 2005. Apesar da economia brasileira mover-se ainda praticamente toda no curto prazo - uma anomalia, como se o país sofresse hoje inflações de 30% ou 40% ao mês - os exercícios que alongam o período de apuração da taxa média de juros são interessantes para mostrar o que poderia esperar um indivíduo que tivesse investido em um negócio próprio há, digamos, dez anos. A curva da média apurada no período de 120 meses (dez anos) mostra um continuado processo de aumento do juro real a partir de 1983. Entre 1995 e os dias de hoje, a taxa Selic ficou sempre acima de 15% ao ano em termos reais. "Essa pessoa que investiu em 1995 precisou ter um retorno extraordinário nos seus negócios para que o negócio pudesse ter valido à pena", avalia Oswaldo Assis, indicando que no resto do mundo a taxa de retorno que justifica um empreendimento varia em torno de 2% ao ano. O Brasil precisa urgentemente caminhar na direção de juros reais na casa dos 6% a 8% ao ano, mas não há indícios de que isso acontecerá em 2006. Pelo contrário, as previsões apontam para Selic real em torno de 11% no final do ano que vem, o que seria uma taxa ainda extremamente elevada em comparação com o resto do mundo. E isso, diga-se, supondo que nenhum acontecimento bizarro surja pelo meio do caminho do processo eleitoral. É esperar para ver, mas não deve haver dúvidas de que o comportamento dos juros vai atrair a atenção dos candidatos, lado a lado com questões fiscais mais específicas que interessam à população. Assis, por exemplo, aposta na "micronização" (termo da autora desta coluna) do debate econômico, com foco no setor público. É aguardar para ver. Resta-nos a esperança de que 2006 seja promissor tanto no campo econômico como político, sem retrocessos. Esta coluna deseja a todos um magnífico Ano Novo, repleto de boas notícias no rumo de um Brasil mais maduro e arejado. Neste 2005 que chega ao fim, deixa-se para trás alguns dos piores momentos da cena política brasileira. Só comparável às denúncias que envolveram o Congresso Nacional no início dos anos 90.