Título: Dólar, balanço de pagamentos e os nossos investimentos
Autor: Júlio Cardozo
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2005, EU &, p. D2

O balanço de pagamentos brasileiro foi provavelmente o fundamento econômico que mais surpreendeu o mercado financeiro em 2005. Alguns dados chegaram a desconcertar os analistas:

Balança comercial: US$ 43,7 bilhões (provável), versus previsão inicial de US$ 26,5 bilhões;

Dólar comercial: R$ 2,25 (provável) versus R$ 2,95;

Risco-país em seu menor patamar da história, captações externas feitas em reais e até mesmo indexadas a índices de inflação;

Conforme muitos analistas justificam, a variável que mais influenciou esse desempenho surpreendente foi o crescimento da economia/comércio mundial e a liquidez abundante. Com o enorme fluxo de divisas via exportações, mais as entradas de investimento direto e no mercado futuro, principalmente NDF, a cotação do dólar caiu, em nível real, para níveis abaixo aos do início do Plano Real. Somente com uma economia mundial vibrante pudemos compensar este efeito e ainda aumentar nossa balança. Extrapolando para 2006, vemos que provavelmente tanto o crescimento mundial quanto a liquidez externa continuarão presentes. De acordo com projeções do FMI, OECD e de outros organismos internacionais, a economia mundial crescerá por volta de 4,3% em 2006, nível bem semelhante ao de 2005. Com o Fed já sinalizando a proximidade do fim de seu aperto monetário (entre 4,5 e 4,75 basis), e com a curva longa dos Treasuries insistindo em continuar em níveis baixos, apesar dos aumentos na taxa-base, não há razões para acreditar em um aumento intenso na aversão ao risco. E, mesmo que isso ocorra de forma branda, estamos em boa forma para enfrentá-lo. Não é à toa que o Banco Central vem fazendo ativos cambiais de forma tão frenética nas últimas semanas: eles enxergam o mesmo cenário. Quais os efeitos disso tudo para os nossos investimentos no dia-a-dia? Bom, fica mais fácil descrevê-los tendo em mente que, mais uma vez, a variável que mais tem chance de se descolar positivamente das previsões econômicas é a externa. A média das previsões do mercado para o ano que vem são:

Dólar a R$ 2,43;

Balança comercial em US$ 36 bilhões;

Reservas internacionais líquidas em US$ 63 bilhões;

Taxa Selic em 15,5%, IPCA de 4,5%, IGPM de 4,7%;

Ibovespa em 38.000 pontos, risco-país em 320 basis. Neste cenário, a sobra de recursos para o ano que vem seria de US$ 10 bilhões, já contabilizada na estimativa de reservas. Entretanto, não seria um absurdo termos, em final de 2006, uma balança em torno de US$ 40 bilhões e um superávit em conta corrente de US$ 10,5 bilhões. Isso significaria um aumento dessa sobra em mais US$ 5 bilhões. Se o BC enxugar todos esses recursos, mantendo a taxa de câmbio pelo menos no nível atual - ela certamente estaria abaixo de 2 sem as constantes intervenções do BC -, nossas reservas líquidas acabariam o ano em US$ 68 bilhões.

Principais conseqüências:

As empresas vão conseguir tomar dinheiro mais barato. Afinal, estamos devendo menos, fazendo mais dólares e aumentando reservas. Isso vai se traduzir em queda no risco-país e novos recordes para nossa bolsa de valores. É claro que risco e bolsa dependem de outros fatores, mas podemos perfeitamente falar de risco por volta de 270 basis e Ibovespa rompendo os 40.000 pontos; O "viés" do dólar vai ser de queda, ou seja, se por acaso o Banco Central parar de comprar a divisa americana, o real pode se apreciar ainda mais, o que faz aplicações em índices de inflação e cambiais se tornar menos interessante. Dólar a R$ 2,30 ou pouco abaixo também é coerente com esta idéia; A taxa de inflação (principalmente os IGPs), sofrendo o impacto de uma taxa menor de câmbio, pode permitir uma redução mais acentuada da taxa de juros em 2006. As aplicações em títulos prefixados seriam beneficiadas, então, efeito que já começa a aparecer na nossa curva de juros futuros. Existe a possibilidade de a Selic fechar 2006 abaixo dos 15%; É claro que temos riscos para o ano que vem. Mercados são voláteis por natureza, principalmente os emergentes. Também não podemos esquecer do efeito eleição, que sempre pode trazer surpresas. No entanto, o Brasil se encontra preparado para agüentar solavancos de intensidade média, e se sair bem para o próximo mandato. Qual o problema com o nosso cenário, então? É o crescimento. Com o país exportando tanta poupança (fator escasso por aqui) como resultado de nosso enorme superávit em conta corrente, o PIB potencial fica limitado. Sugiro ao investidor um pouco de cautela então, pois em 2006 o cenário é bom, mas ainda podemos ter algumas surpresas negativas no tocante a crescimento no médio prazo.