Título: A eleição e seus riscos para a economia
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2006, Brasil, p. A2

O ano eleitoral começou bem para a economia brasileira. Os indicadores de confiança comprovam isso. O risco-país continua caindo, a bolsa vive certa euforia e a taxa de juros ninguém espera que suba no futuro próximo. O cenário internacional segue favorável ao país. A economia mundial está em expansão, há liquidez abundante de capitais e os juros permanecem em níveis historicamente baixos. Empresas privadas nacionais e o Tesouro começaram 2006 captando recursos no exterior a custos declinantes. A inflação, apesar da alta dos combustíveis, continua sob controle. Diante de tudo isso, já dá para apostar num ano calmo, bem diferente daquele que vivemos em 2002? Talvez, seja razoável esperar por uma transição política mais calma e sem grandes impactos na economia. É preciso reconhecer, no entanto, que há riscos ponderáveis adiante, nada que possa resultar numa nova rodada de desorganização da economia, como aconteceu há quatro anos, mas, ainda assim, são riscos. Por causa do debate eleitoral, 2006 pode ser um ano de seis meses, na definição do ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni. Por que seis meses? Porque, dada a baixa taxa de institucionalização da economia brasileira, a disputa política trará dúvidas sobre a manutenção das políticas que estão aí, a rigor, desde o início de 1999. A economia, adverte Langoni, permanece vulnerável às idiossincrasias pessoais daqueles que vão gerenciá-la a partir de 2007. "No segundo semestre, as decisões empresariais ficariam congeladas até que se conheça a natureza efetiva do debate eleitoral. As incertezas aumentariam", observa o economista, que dirige o Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas. Do que se viu até agora e se não houver surpresas, a disputa eleitoral tende a ter dois atores principais. Será o presidente Lula contra o candidato do PSDB. Lula tem feito o discurso da manutenção da responsabilidade econômica, embora já se espere que o PT adote uma retórica à esquerda do presidente. Dos pré-candidatos do PSDB - José Serra e Geraldo Alckmin - não se espera a defesa de mudanças radicais na política econômica, embora, em alguns momentos, o tom usado para criticar o governo Lula sugira isso. Inspirado no debate eleitoral, Langoni fez um exercício interessante sobre possíveis mudanças que a política macroeconômica pode vir a ter a partir da eleição. São idéias que, aqui e ali, são defendidas pelos candidatos, por seus assessores e simpatizantes. Parte dessas idéias se baseia no desgaste das políticas atuais junto a setores da sociedade e da opinião pública. No caso das metas de inflação, a política, especula Langoni, poderá ser alterada. Há sugestões de flexibilização (para níveis mais elevados), mudança de índice e até de adoção de objetivos paralelos, como o estabelecimento de taxas mínimas de crescimento para o PIB. "A conseqüência inevitável disso é afetar negativamente as expectativas futuras de inflação. O IPCA de 2005 (5,69%) caiu em relação ao ano passado e é o menor em sete anos. Permanece, entretanto, acima da média dos países emergentes (5%)", alerta Langoni.

Os cenários alternativos para a política econômica

No caso dos juros, como o Banco Central (BC) não possui independência formal, a vulnerabilidade da atual política é ainda maior. Mesmo tendo gozado de forte autonomia no governo Lula, o BC permanece exposto a pressões políticas. "Será difícil resistir à tentação de anunciar cortes mais rápidos e profundos na taxa básica a fim de alavancar o ritmo de crescimento, desconsiderando a inflação", diz o ex-presidente do BC. "A conseqüência é alimentar dúvidas quanto ao compromisso presente com a estabilidade, fazendo com que os juros em termos reais permaneçam elevados." Na área cambial, é forte a pressão para que o BC desvalorize o real. A preocupação com a sobrevalorização pode levar a distorções no regime de câmbio flutuante. "As intervenções do BC poderão assumir um caráter mais permanente, cuja conseqüência poderá ser a sua descaracterização (adoção de bandas) em resposta às pressões de setores menos competitivos. Seria enorme retrocesso, com graves conseqüências para o objetivo de crescimento sustentado", conclui Langoni. Quanto à política fiscal, são permanentes as críticas de que a geração de superávits primários de 4,25% do PIB nas contas públicas é exagerada. Possivelmente, o conceito não será abolido, mas a meta corre o risco de diminuir, alterando as expectativas em relação ao comportamento da dívida pública, o que, por sua vez, terá reflexos nos juros. Há quem ainda defenda o uso de recursos públicos como motor do crescimento. "O impacto negativo sobre a percepção de risco-país seria imediato. A essência do problema fiscal brasileiro é melhorar a alocação de recursos já existentes e reduzir a rigidez orçamentária", comenta o economista. No que diz respeito à abertura da economia, não se deve ignorar o risco de uma nova onda protecionista ou pelo menos de um adiamento de um novo ciclo de redução das tarifas de importação. O já difícil acesso brasileiro aos grandes mercados industrializados, como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, poderá ser gradativamente reduzido, com efeitos negativos, aponta Langoni, "sobre as exportações e o nível de produtividade da economia". Todas as mudanças previstas nesses cenários alternativos podem não provocar uma ruptura radical, mas certamente teriam impactos negativos na economia. Dificilmente, levariam a crises cambiais ou mesmo a desvalorizações agudas do real, mas certamente conduziriam a economia para um outro padrão de crescimento. Daí, a idéia de que, no segundo semestre, passada a Copa do Mundo, o setor privado atuará com maior prudência em relação aos investimentos. O ex-presidente do BC lembra que, ao contrário de 2002, as expectativas de inflação e o comportamento do risco-país sugerem que os mercados apostam num debate político civilizado que não abalará a consistência da arquitetura macroeconômica "duramente construída". Essa visão, na opinião dele, seria "excessivamente otimista", na medida em que Lula e os tucanos já estão comprometidos com políticas econômicas similares. O risco dos cenários alternativos é real e deve ser considerado.