Título: Fórum ganha concorrentes e perde interesse
Autor: Assis Moreira De Davos (Suíça)
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2006, Brasil, p. A4

Relações externas Encontro em Davos começa hoje com o menor número de chefes de Estado dos últimos anos

Davos está coberta de neve, a temperatura fica entre 5 e 12 graus negativos, mas faz um esplendoroso sol nessa que é uma das mais reputadas estações de esqui dos Alpes suíços. Está tudo pronto para o encontro anual do Fórum Mundial de Economia, de hoje até domingo - iniciativa que começa a sofrer concorrência nesse ramo de negócios de reunir autoridades, empresários e acadêmicos. A partir das 8 horas desta manha, o presidente da empresa Fórum Mundial de Economia (FEM), Klaus Schwab, estará no hall do centro de conferências exercendo sua reputada arte de lisonjear os principais participantes. Cada um é líder global ou está nessa direção. Schwab adora o termo "global". Se perguntam para que o encontro serve, ele responde: "Para desenhar estratégias globais." O FEM é uma empresa registrada como organização não governamental (ONG) na Organização das Nações Unidas. É uma ONG que fatura alto: foram US$ 66 milhões no ano passado. O encontro de Davos é realizado com a "parceria estratégica" de 58 das maiores companhias do planeta, como Citigroup, Volkswagen, Google, Deutsche Bank, Pfizer, Siemens, J. P. Morgan, Bombardier, Nestlé. Outros 20 são apenas ´´parceiros´´, incluindo ABN Amro, DuPont, Reuters. Mais de 200 jornalistas estão credenciados. Schwab considera a imprensa como "parceira". No centro da agenda deste ano em Davos estão a China e a Índia. Por coincidência, a China está no centro da nova iniciativa empresarial do fórum: um Encontro de Cúpula Industrial Mundial, anualmente em Pequim, onde Schwab acaba de abrir uma representação. As iniciativas se multiplicam porque Davos perde sua atração. Até agora, muitos empresários desembolsam US$ 35 mil por ano para vir ao encontro esperando fica ao lado, por alguns instantes de seu presidente ou ministro - ou vice-versa, dependendo do peso do país e da empresa. Ocorre que cada vez menos chefes de Estado e de governo aceitam o convite de Schwab. Em 2004, eles eram 30. No ano seguinte, apenas 20. Este ano, são 14. Ângela Merkel, a nova chanceler alemã, faz o discurso de abertura e volta para Berlim. Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha confirmado presença, voltou atrás. Schwab, porém, não se desmonta. "O que vale é a qualidade, não a participação quantitativa", diz ele num tom sério. "Você não imagina o número de ministros que queriam estar em Davos e tivemos de dizer não. " Seu humor melhora quando o repórter indaga se é verdade que ele trata intimamente de "você" mais de 50 chefes de Estado e de governo. Schwab abre um enorme sorriso. "Isso foi um jornalista que escreveu", diz. "Eu sou alemão, não é fácil chamar alguém de você. Mas é verdade que conheço muito bem muitos chefes de Estado, sim." Certo é que o Fórum Mundial de Economia, como qualquer empresa, enfrenta acirrada concorrência. O jornal "Financial Times" cita o encontro anual da Fundação Clinton e o Fórum Social Mundial. A fundação do ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, convida agora em setembro, em Nova York, a nata do capitalismo mundial para "realmente" mudar o mundo - nada menos do que isso. Só vai quem tem alguma coisa concreta para oferecer. Enquanto o número de dirigentes políticos diminui, aumenta o de estrelas do entretenimento. A atriz Angelina Jolie volta a Davos. O esporte, negócio estimado em US$ 10 bilhões por ano, também faz sua entrada. Pelé não podia faltar. Fora do mundo da economia e da política, Paulo Coelho é um dos mais procurados por executivos. Davos, em todo caso, continua a ser uma proeza, ao reunir centenas de altos empresários, dezenas de ministros, alguns chefes de Estado nessa estação de esqui. O começo foi em 1971 quando o alemão Klaus Schwab, um obscuro professor de economia na Universidade de Genebra, teve a idéia de criar um fórum reunindo autoridades, empresários e acadêmicos. O local escolhido foi Davos, conhecida internacionalmente graças a um livro de Thomas Mann, "A Montanha Mágica". No meio da guerra fria entre EUA e União Soviética, Davos passou a ser um dos poucos lugares onde Leste e Oeste podiam se reunir discretamente. Schwab batizou depois a empresa de Fórum Mundial de Economia e expandiu encontros também regionais ou setoriais. O faturamento do fórum passou a ser alvo de atenção depois que, nos anos 90, foram publicados artigos sugerindo que Schwab não exercia o que pregava: a transparência nas contas. Um artigo do "Wall Street Journal" levantou suspeita de mistura entre as finanças pessoais e as do fórum. Hoje, o executivo pode apresentar um balanço. Polêmica com dinheiro, em todo caso, não faltou depois. Há dois anos, o principal executivo do fórum, José Maria Figueres, foi repentinamente demitido. A causa: recebera cerca de US$ 908 mil da empresa francesa Alcatel por "consultoria" que teria feito fora do horário de trabalho. A Alcatel é acusada na Costa Rica de ter pago suborno a dirigentes políticos para obter contratos.