Título: Falácias sobre a exportação da engenharia brasileira
Autor: Jack Schechtman, Lia Valls Pereira e Sergio Gustav
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2006, Opinião, p. A8

Empréstimo público ao setor gera renda no país

Falácia: "do latim fallacia, significa trapaça; ardil; engano; astúcia, enganador, impostor; que induz a erro; capcioso", segundo o Dicionário Aurélio Século XXI. A referência ao termo no título desse artigo está ligada a um de seus significados mais brandos - que induz ao erro - e visa chamar atenção para dois argumentos nitidamente falaciosos que vêm sendo reiteradamente veiculados na mídia em relação ao setor de exportação de serviços de engenharia. A primeira falácia consiste no argumento de que os financiamentos concedidos pelo BNDES aos exportadores de serviços de engenharia implicam o financiamento da geração de renda e emprego em outros países. A indústria de construção pesada reúne as empresas brasileiras voltadas para a atividade de construção em um amplo espectro de segmentos, entre os quais se destacam: infra-estrutura de transportes, infra-estrutura de saneamento, infra-estrutura de energia elétrica, infra-estrutura para o setor petróleo e obras públicas e instalações industriais de grande porte. Trata-se de atividades caracterizadas por uma substantiva intensidade em capital e tecnologia e pela necessidade de se operar em grande escala. Além disso, o setor é responsável pelo desenvolvimento de um know-how de grande importância estratégica para o país, principalmente quando se espera que o Brasil, finalmente, assuma uma trajetória de crescimento econômico mais acelerado, a qual tem como pressuposto investimentos em infra-estrutura. A cadeia produtiva da indústria da construção pesada envolve a produção de uma ampla gama de bens e serviços de natureza intermediária. Está exposta também à terceirização, que pode transformar atividades que fazem parte da operação industrial, como os suprimentos, em serviços, e à verticalização, que pode transformar serviços em parte da operação industrial. De toda forma, no que tange às operações dessas empresas no Brasil, sua produção é classificada no setor industrial. Já a exportação dessa produção para outros países é classificada como serviço de engenharia, refletindo o fato de que o bem resultante é erigido no exterior. Logicamente, no caso da exportação de serviços de engenharia, parte da cadeia produtiva (bens e serviços) localiza-se no país onde o projeto está sendo executado. O maior ou menor grau de interação com a cadeia produtiva local depende da existência e competitividade dos fornecedores. Na medida em que ocorre a integração com a cadeia produtiva nacional, a exportação de serviços de engenharia equivale à construção pesada no país, no que se refere à geração de demanda, e, por conseguinte, renda e emprego.

Empresas de engenharia brasileiras vêem o projeto de integração econômica sul-americana como uma oportunidade de negócios

E é exatamente, e exclusivamente, à aquisição de bens e serviços produzidos no Brasil, integrados à cadeia produtiva da exportação de serviços de engenharia, que se destinam os financiamentos concedidos pelo BNDES. Ou seja, esses financiamentos incentivam a geração de renda e emprego no Brasil, e não no exterior. A segunda falácia consiste no argumento de que a presença internacional das empresas exportadoras de serviços de engenharia representaria a ponta de lança de um projeto imperialista brasileiro, principalmente na América do Sul. Recorrendo novamente ao dicionário, a acepção do termo imperialista, nesse caso, refere-se a uma "política de expansão e domínio territorial e/ou econômico de uma nação sobre outras". Uma vez que o domínio territorial não está em pauta, entende-se que o argumento está se referindo ao domínio econômico. É inegável e saudável que as seguintes externalidades positivas estejam associadas às exportações de serviços de engenharia. Em primeiro lugar, a utilização de fornecedores de bens e serviços brasileiros nos projetos gera oportunidades para outras empresas brasileiras adquirirem experiência em relação à atuação no mercado externo e serem conhecidas nesses mercados. Em segundo lugar, a construção pesada é caracterizada por uma substantiva intensidade em tecnologia. Nesse contexto, as obras de infra-estrutura e a própria presença local (subsidiárias) representam marcos positivos sobre a capacidade tecnológica da empresa brasileira, fortalecendo a imagem de todos os exportadores brasileiros. Além disso, é justificável que as empresas de engenharia brasileiras, assim como as de outros países da América do Sul, da América do Norte, da Europa e mesmo da Ásia (vide o interesse da China pela questão) estejam percebendo o projeto de integração econômica sul-americana como uma oportunidade de negócios. Nenhum desses movimentos, no entanto, implica domínio econômico sobre outros países. Muito pelo contrário, aportando, em muitos casos, tecnologias não disponíveis nos países contratantes, as empresas de engenharia viabilizam a implantação de infra-estrutura essencial para o desenvolvimento da produção agrícola, industrial e de serviços desses países, contribuindo para a redução de sua dependência econômica externa. O projeto de integração sul-americana não é simplesmente uma questão de agenda da política externa brasileira. Segundo a Organização Mundial do Comércio, deverão estar em vigor cerca de 300 acordos comerciais no ano de 2007. As dificuldades de negociações comerciais no âmbito multilateral, a Rodada Doha, sugerem que essa tendência não será revertida. Os Estados Unidos já realizaram acordos preferenciais de comércio com o Chile e os países da América Central. Estão em negociação com a Colômbia e o Peru. Estratégias de integração passam a constituir um dos elementos da concorrência internacional.