Título: Gestão misturou reforma gerencial e escassez de grandes projetos industriais
Autor: Claudia Safatle e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2004, Brasil, p. A-3

A gestão de Carlos Lessa na presidência do BNDES foi marcada, no plano operacional, pela escassez de aprovação de financiamentos para grandes projetos industriais e pela complicada renegociação da dívida de US$ 1,2 bilhão da AES. No plano gerencial, ele fez uma radical reforma administrativa que praticamente paralisou o banco nos primeiros meses de 2003. O objetivo da reforma foi, segundo Lessa, devolver ao BNDES o papel de banco de desenvolvimento. Dos R$ 40,4 bilhões em empréstimos aprovados em 2003, os grandes projetos acima de R$ 100 milhões somaram R$ 18 bilhões, mas somente os desembolsos para energia elétrica e aviação (Embraer) alcançaram mais de R$ 11 bilhões. Do total de 59 projetos, o maior número de aprovações foi na área de energia elétrica (23). Este ano, até outubro, o BNDES desembolsou R$ 29,8 bilhões, representando apenas 63% dos R$ 47,3 bilhões previstos para 2004. Em dez meses o banco estava bem aquém da meta. E a aprovação de grandes projetos seguia ainda acanhada. Apenas 36 projetos totalizaram R$ 8,6 bilhões, dos quais R$ 5,4 bilhões para a Embraer, energia elétrica e telecomunicações. Para as multinacionais, foram R$ 4,3 bilhões do BNDES-Exim e RS 1,7 bilhão para investimentos. Lessa atribuía o fato de não conseguir fechar o orçamento de 2004 a duas razões, sendo uma consequência da outra: em primeiro lugar, dizia, os empresários não estavam procurando o banco para apresentar grandes projetos industriais e que sem isso não havia como aprová-los. E culpava a persistência dos juros elevados como principal causa da timidez dos empresários. Apoiado nessa convicção, Lessa deflagrou cruzada pela redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a taxa básica dos empréstimos do banco, fixada trimestralmente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O que se viu nos 22 meses de Lessa à frente do BNDES foi uma queda de braço constante como o Ministério da Fazenda e o Banco Central, cujos titulares integram o CMN. Lessa lutava por uma TJLP no patamar de 8%, argumentado que o juro do BNDES deveria estar mais próximo da inflação. O banco enviou ao CMN proposta de mudança do cálculo da taxa, defendendo a retirada do risco Brasil da conta. Uma batalha ganha durante a gestão Lessa no BNDES foi, sem dúvida, a renegociação da dívida da americana AES, originária dos créditos concedidos para a compra da Eletropaulo. A inadimplência da empresa, que parecia sem retorno, representava para o banco a assimilação do maior prejuízo da sua história. Após 11 meses de negociações, foi fechado acordo no qual o banco entrou como sócio de um grande complexo energético. Enquanto negociava entrar no capital da AES para salvar seu patrimônio, o BNDES anunciou sua entrada no bloco de controle da Vale do Rio Doce. O fato pegou de surpresa setores do governo e assustou o mercado, que viu na iniciativa uma ameaça de reestatização de empresas. A partir daí Lessa viveu permanentemente na condição de "bola da vez". Foram mais de 70 boatos sobre sua saída, segundo ele próprio computou. Nesse contexto desfavorável, Lessa também contava com um ambiente interno no BNDES de insatisfação. A reforma administrativa que promoveu deixou feridas. Funcionários e técnicos rebaixados encararam o fato como revanchismo e muitos optaram por deixar a instituição. Nesse processo Lessa angariou inimigos. Após as eleições, já pressagiava a saída. Distribuiu a parlamentares um documento com o balanço de sua administração, visando apoios para sua causa. O professor acabou se enfraquecendo ao entrar em confronto direto com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. E Lula escolheu Meirelles.