Título: Saída de Lessa mexe com base de sustentação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2004, Brasil, p. A-4

A saída de Carlos Lessa do BNDES terá repercussões políticas na base de sustentação do governo no Congresso, especialmente no PT, podendo ressuscitar críticas da esquerda partidária à política econômica. O diagnóstico foi feito pelos próprios petistas, que consideram o afastamento de Lessa uma vitória da linha ortodoxa na política econômica. O dia foi de lamentações no Congresso e temor pelo tamanho que a crise de insatisfação pode alcançar. "Serão reacesas disputas internas no PT, com críticas públicas à política econômica. Vai aumentar a temperatura exatamente num momento em que o governo precisava de um perfil baixo por aqui", avaliou um parlamentar petista. O fato de Lessa ter apoio de intelectuais, economistas, segmentos sociais e sindicalistas aumenta ainda mais o foco de tensão. "O governo, apressadamente, sem considerar inclusive sua base parlamentar e forças sociais importantes, destitui o presidente Carlos Lessa, deixando, com esse gesto, de ouvir figuras importantes da história brasileira. Na verdade, diz não, nesta tarde fatídica, a figuras da estatura de Celso Furtado, Fábio Konder Comparato, Oscar Niemeyer, Maria da Conceição Tavares (... )Este é um momento grave, de dor, de recuo do governo e de vitória da ortodoxia financeira mais absoluta e atrasada", discursou o deputado Chico Alencar (PT-RJ). O petista tinha organizado um abaixo-assinado, com apoio de várias personalidades, em defesa de Lessa. Políticos ligados ao ex-presidente do BNDES também entraram em campo para apelar ao "professor" que baixasse o tom das críticas à política econômica. Horas antes de ser oficializada a demissão de Lessa, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) telefonou para o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) reforçando que Lessa estava disposto a uma trégua de silêncio. Um dia antes, Greenhalgh conversou longamente com Lessa por telefone. As ações dos amigos não foram suficientes para mantê-lo no cargo. "Me dói no coração isso. Reconheço que o Lessa foi desabrido muitas vezes, mas o governo tolera algumas reações públicas e não tolera outras. O general do Exército que fez uma nota saudosista da ditadura continua no cargo; o general Félix que faz declarações ofensivas à esquerda também. Há dois pesos e duas medidas", lamentou Greenhalgh. Para o parlamentar, Lessa fez uma gestão eficiente, retomou o conceito de fomento do banco, e o entrega com o melhor balanço dos últimos 15 anos. Os parlamentares da base também temem as conseqüências de manter Guido Mantega no BNDES. "Se ele não for interino, é melhor que pense em mudar seu jeito de administrar, senão vai ser pura burocracia", criticou um parlamentar da cúpula governista. O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), lastimou a saída de Lessa. Ele acredita que o momento, pela saída de várias pessoas de cargos importantes, é ideal para uma reforma ministerial. "Talvez tenha chegado o momento de chacoalhar, de dar um novo ânimo (ao governo), mas isso depende do presidente", disse.