Título: Aumento do gasto público perpetua desigualdades
Autor: Arilton Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2006, Opinião, p. A6

Maiores despesas correntes elevam risco e reduzem investimentos na economia

Uma disputa específica entre ministros tem sido a tônica dos governos brasileiros em momentos de crise ou de bonança. Uns tentando gastar mais, desrespeitando os limites do orçamento e ignorando as leis de mercado; e outros tentando respeitar estes mesmos limites. Esta disputa, já famosa, tem seus participantes apelidados de desenvolvimentistas e monetaristas, respectivamente. O debate já é antiquado em face dos avanços das últimas décadas. O que as evidências empíricas e as teorias de crescimento têm cansado de mostrar é que todo desenvolvimentista tem que ser monetarista, pois não existe crescimento e desenvolvimento sem estabilidade de preços. Mais inflação não gera crescimento e desenvolvimento, mas simplesmente, mais inflação, desorganização e estagnação. Por fim vale ainda ressaltar as peculiaridades da economia brasileira. Desde o pós-guerra estivemos mergulhados numa vida de crônica inflação e crises de balanço de pagamentos que levavam à renegociação da dívida externa, devido a nossa cíclica incapacidade de honrar nossos compromissos. Mais recentemente, nos anos 80, adicionamos ao nosso currículo, já não muito honroso, os choques heterodoxos e confiscos de ativos financeiros. Todos estes fenômenos inevitavelmente estavam associados à falta de controle dos gastos públicos, que levavam à expansão sem controle dos meios de pagamento, gerando aumento da inflação e do risco. Assim, para mudar a percepção dos agentes econômicos sobre o Brasil, temos tentado nos últimos anos, devidamente liderados pelos ministros da Fazenda, mudar este comportamento. Em particular, a partir de 1999 temos respeitado todos os acordos internacionais com o FMI mostrando nossa mudança de postura em relação aos gastos públicos. Finalmente, depois de vários anos tentando apagar a imagem das últimas décadas, vamos caminhando em direção ao clube dos países de risco zero (permitindo que nossas empresas captem no mercado internacional ao mesmo custo que suas concorrentes sediadas em países de risco zero). Mas aí recomeçam os "desenvolvimentistas". Uma recente demonstração foi publicada nos jornais e foi sintetizada na frase "gasto (público) corrente é vida". O objetivo aqui não é criticar pessoas ou ministros, mas discutir a idéia, mostrando sua fragilidade.

É preciso aumentar o superávit primário, mas isso tem que ser feito com corte de gastos, não com elevação de impostos

As crises brasileiras começaram sempre a partir do setor publico. A história é a seguinte. O governo começa a elevar o déficit público (devido ao aumento do gasto), em geral em períodos de bonança no mercado internacional. Este aumento dos gastos e do déficit começa a elevar o risco. Este aumento do risco reduz o investimento (ver gráfico). Mais ainda, para evitar movimentos especulativos e continuar financiando esta dívida crescente, os juros têm que subir. Este aumento dos juros faz a dívida aumentar mais rápido ainda. Na ausência de controle de gastos, este aumento da dívida eleva o risco perpetuando o ciclo. A saída deste ciclo tem que ser via redução do déficit nominal, que está associado a um aumento do superávit primário. Nos anos 90 muitos acreditavam que a obtenção do superávit viria com o aumento da arrecadação. Assim, nós passamos de uma carga tributária de 24% do PIB, em 1994, para 37% do PIB nos dias de hoje. Isto ocorre devido a uma "lei" seguida à risca pelo governo brasileiro: "toda receita gera sua própria despesa". A história aqui é a seguinte. Aumentam-se os impostos para gerar superávit, mas o aumento da receita em breve é comido com novos "gastos sociais". Dadas as desigualdades em nosso país, tem sempre alguns achando que gastos públicos vão eliminá-las. Para tanto, basta esquecer o ciclo déficit-risco-juros. Ao fim, quando o risco e os juros já aumentarem, uma nova rodada de aumento de impostos passa a ser defendida. Com os impostos temos, então, o último capítulo do ciclo vicioso que vivemos nos anos 90: déficit-risco-juros-impostos. O que muitos ignoram é que o aumento dos impostos também tem efeitos sobre o crescimento econômico. O aumento dos impostos reduz os investimentos privados, porque mais impostos reduzem o retorno esperado, reduzindo o crescimento econômico. Assim sendo, não é o Banco Central, com seus "malvados" diretores e presidente, nem o ministro da Fazenda, que devemos culpar pelos elevados juros e tantas crises recentes na economia brasileira. A culpa está no elevado gasto público brasileiro (sempre bem justificado pela necessidade de "gastos sociais"). É hora de, no mínimo, mantermos e, se possível, elevarmos nosso superávit primário, para eliminarmos nosso déficit nominal. Mas, esta elevação tem que ser feita com corte de gasto e não com elevação de impostos. As evidências empíricas e a teoria são claras. O crescimento é o caminho para reduzirmos a pobreza e a desigualdade. E o crescimento vem com investimento privado que está sendo deprimido pelo risco e impostos elevados. O gasto corrente que não podemos mexer é o gasto relacionado às funções clássicas do Estado: segurança, defesa nacional e justiça (e com saúde básica e ensino médio e fundamental). No mais, o aumento do gasto público corrente trará estagnação e manutenção das desigualdades. E estas continuarão trazendo miséria e morte. Neste caso, com certeza seria verdade que o gasto é vida. Claro que isto é válido se acreditarmos na vida após a morte.