Título: O fervor nuclear iraniano
Autor: Kenneth R. Timmerman
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2006, Opinião, p. A7

Um fanático religioso com acesso a armas nucleares é uma combinação muito perigosa

Agora que as negociações sobre o programa nuclear iraniano pairam novamente no horizonte, é fundamentalmente importante entender o novo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Talvez o melhor lugar para começar seja o momento em que o mundo vislumbrou pela primeira vez a personalidade e o programa de linha-dura de Ahmadinejad. Quando o presidente Ahmadinejad discursou perante a ONU em Nova York, em setembro passado, ele subitamente viu-se cercado de holofotes. Não era a iluminação do palco, explicou. Tratava-se de uma luz celestial. Ahmadinejad relatou essa experiência sobrenatural em um encontro, gravado em vídeo, com destacado aiatolá em Teerã. Uma transcrição de seus comentários e trechos do vídeo acabaram em um website pró-regime: http:// baztab.com . Segundo a transcrição, Ahmadinejad disse que um membro de sua equipe de assessores no encontro da ONU foi quem primeiro falou sobre a luz. "Quando o senhor começou com as palavras 'em nome de Deus'. eu vi uma luz vindo, envolvendo-o e protegendo-o até o fim [do discurso]". Ahmadinejad confirmou ter sentido essa similar. "Eu também senti que a atmosfera mudou repentinamente, e por 27 ou 28 minutos os líderes iranianos não puderam piscar.... mantendo seus olhos e ouvidos fixados na mensagem da República Islâmica", disse ao aiatolá Javadi-Amoli. A "visão de Ahmadinejad" na ONU poderia ser descartada como oportunismo político, não fosse uma série de declarações e ações similares que sugerem que ele acredita estar predestinado a promover o "Fim dos Tempos" - o fim do mundo -, abrindo caminho para o retorno do Messias muçulmano xiita. Considerando que o Irã continua a desenvolver programas nucleares suspeitos, que poderão levar a República Islâmica a um ponto perigosamente próximo da posse de armamentos operacionais, um líder com visões messiânicas é preocupante. Afinal de contas, esse é o mesmo homem que recentemente prometeu empregar os poderes recém-adquiridos pelos iranianos para "varrer Israel do mapa" e "destruir os EUA". Em discurso no dia 16 de novembro, em Teerã, falando a clérigos destacados que tinham vindo de todo o Irã para ouvi-lo, o novo presidente disse que a principal missão de seu governo é "pavimentar o caminho para o glorioso ressurgimento do Imã Mahdi (Possa Deus Apressar Seu Ressurgimento)". O místico 12º Imã do Islã xiita desapareceu quando criança, em 941 DC, e os muçulmanos xiitas aguardam sua volta desde aquele momento, acreditando que, quando retornar, ele reinará sobre a Terra durante sete anos e então ensejará o Juízo Derradeiro - e o fim do mundo. Com o objetivo de preparar-se para o retorno do Imã Mahdi, disse Ahmadinejad, "o Irã deveria transformar-se numa sociedade islâmica poderosa, avançada e exemplar". Os iranianos deveriam "abster-se de aproximar-se de qualquer escola de pensamento ocidental" e de "levar vidas de luxo, ostentação" e outros excessos.

Ahmadinejad acredita estar predestinado a promover o fim dos tempos, abrindo caminho para o retorno do Messias muçulmano xiita

Três meses depois de Ahmadinejad assumir a presidência, suas idéias sobre o 12º Imã estão sendo amplamente discutidas em Teerã. Segundo um rumor, como prefeito de Teerã Ahmadinejad concebeu um novo plano urbano para o retorno do Imã à cidade. Nas últimas semanas, assessores de Ahmadinejad negaram outro rumor, segundo o qual ele teria ordenado seus ministro redigirem um pacto de lealdade com o 12º Imã e a lançá-lo num poço nas proximidades da cidade sagrada de Qom, onde, acreditam alguns, o Imã estaria oculto. Aqueles que dão crédito ao rumor citam uma decisão anterior de seu gabinete, de alocar US$ 17 milhões à reforma da mesquita Jamkaran, onde os devotos do 12º Imã oram há séculos. Nessa mesma linha, fontes governamentais em Teerã informaram, em notícias, que Ahmadinejad disse a autoridades do regime que o Imã Oculto ressurgirá em dois anos. Isso foi além da conta para um legislador iraniano, Akbar Alami, que questionou publicamente a percepção de Ahmadinejad, dizendo que até mesmo as mais sagradas personalidades do Islã nunca afirmaram tais coisas. Embora muitos muçulmanos xiitas cultuem o 12º Imã, uma sociedade antes secreta de clérigos poderosos, mas agora assessorando abertamente o novo presidente, está transformando essas crenças messiânicas em políticas governamentais. Liderada pelo aiatolá Mesbah Yazdi, que freqüentemente aparece em companhia de Ahmadinejad, a sociedade Hojatieh é considerada por muitos xiitas como uma franja marginal lunática. Durante os primeiros anos da Revolução Islâmica, até mesmo o aiatolá Ruhollah Khomeini considerou essas crenças excessivamente extremadas e fez seus adeptos ocultarem-se na clandestinidade. Como devotos do 12º Imã, a sociedade Hojatieh crê que apenas grandes atribulações poderão justificar sua vinda. De certa forma similar à doutrina leninista segundo a qual um agravamento das condições sociais aceleraria a revolução, a sociedade Hojatieh acredita que apenas uma escalada de violência, conflito e opressão provocará a ressurgimento do Mahdi. Desde que assumiu a presidência, em agosto passado, Ahmadinejad instalou devotos da sociedade Hojatieh em seu gabinete e em diversos escalões da burocracia. O Ministério da Informação e Segurança, em larga medida marginalizado pelo ex-presidente Mohammed Khatami, ressurgiu como uma forte força repressiva, usando agentes à paisana, aliada aos paramilitares Bassij e a vigilantes não-governamentais, para reprimir possíveis oponentes ao regime. À medida que o mundo se prepara para confrontar um regime iraniano que continua a desafiar a Agência Internacional de Energia Atômica ao prosseguir com seus programas nucleares, precisamos ouvir o que dizem os líderes iranianos com a mesma atenção com que acompanhamos o que fazem. Um fanático religioso com acesso a armamentos nucleares é uma combinação perigosa que o mundo não pode dar-se ao luxo de tolerar.