Título: Lembrando Herbert Stein
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2006, Brasil, p. A2

De 1989 até 2005 a economia brasileira cresceu à taxa média real de 2% ao ano, uma das menores de todo o mundo. No mesmo período a população brasileira passou de 144 para 184 milhões de habitantes, com uma taxa de crescimento demográfico da ordem de 1,6%. Isso significa que o crescimento do PIB per-capita foi de apenas 0,4% ao ano. Esses números são cruéis: nas atuais condições de pressão e temperatura, o PIB per-capita só dobrará a cada 175 anos! A convenção demográfica é que a cada 25 anos temos uma nova geração. Logo o PIB per-capita atual só dobraria na próxima sétima geração de brasileiros, lá pelo terceiro quartel do século XXII...

Para dramatizar o quadro, basta considerar que, tudo o mais constante, teríamos o seguinte:

Olhando para a tabela e considerando os magníficos argumentos do Eduardo Giannetti no seu recente e indispensável "O Valor do Futuro" parece possível "inventar" mais uma conjectura (que faz tanto sentido quanto tantas outras) sobre por que a taxa de juro real é tão alta no Brasil: os benefícios advindos de postergar o consumo são tão pequenos que apressam o consumo presente. A "recompensa" individual para a poupança é tão pequena que para estimular a cigarra a ter comportamento de formiga é preciso um juro astronômico... Felizmente, graças à expansão das exportações e à política fiscal responsável, abre-se nova possibilidade de acelerar o crescimento, uma vez que as armadilhas interna e externa construídas na octaetéride fernandista estão sendo desmontadas. A herança mais pesada foi uma dívida de 56% do PIB muito mal financiada e que até hoje produz uma curva de juros teratológica, que dificulta a política monetária.

O "progresso" da economia brasileira entre 2002 e 2005 pode ser apreciado no quadro abaixo:

Medidas por essas importantes características não há a menor dúvida que a economia brasileira melhorou significativamente nos últimos três anos. A exceção corre por conta da carga tributária bruta. É muito difícil, portanto, sustentar a tese de que "a política econômica de Lula é a mesma que de FHC, mas executada com menor competência". Na verdade, a maior semelhança entre as duas políticas foi o igual desinteresse das respectivas administrações com relação às reformas microeconômicas e a preferência pela política fácil de altos juros reais, que inibem nosso crescimento. A grande desilusão do Brasil com FHC foi ele não ter tirado proveito da sua custosa reeleição (sem desincompatibilização) e forçado uma mudança profunda do quadro institucional. A única exceção foi a importante Lei de Responsabilidade Fiscal. A grande desilusão do Brasil com Lula foi não ter forçado uma reforma profunda da legislação trabalhista que estimularia o emprego reduzindo o custo da mão-de-obra. O ano de 2005 revela algumas lições importantes no que diz respeito à política econômica. Como ensina a famosa lei do economista Herbert Stein (1916-1999), presidente do Conselho de Assessores Econômicos dos EUA: "Quando diante de um processo que não pode prosseguir indefinidamente parece que nada pode ser feito, alguma coisa será feita." A recusa da reforma do mercado de trabalho pela miopia sindicalista, que esconde seus próprios interesses, é um bom exemplo. Ela tem estimulado mudanças de costumes que substituem mão-de-obra técnica mais cara empregada com carteira, por mão-de-obra mais barata sem carteira, sugerindo uma perversa melhoria da distribuição de renda e aumentando o déficit da previdência social. Outro exemplo é o da política de "metas de inflação". Sem as reformas microeconômicas que reduzem a inércia da taxa de inflação e sem um aumento da competição, metas inflacionárias ambiciosas só podem ser conseguidas à custa de altos juros reais que reduzem a atividade econômica e o emprego, como foi exemplo marcante o ano de 2005. O Brasil está "quase" preparado para uma segura viagem ao desenvolvimento econômico robusto, com estabilidade monetária, equilíbrio externo e redução das desigualdades pessoais e regionais da renda. Podemos atingir em pouco tempo a "velocidade de escape" da terrível armadilha em que nos encontrávamos em 2002. Como? Basta fazer aquilo que "parece que não pode ser feito" por falta de liderança políticas, mas que o "mercado fará" da maneira mais custosa e demorada enquanto mantivermos o equilíbrio fiscal e monetário. A prova é o ano de 2005, com seu crescimento medíocre.