Título: Governo contém investimentos e gasto real sobe 10%
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2006, Brasil, p. A3

O resultado das contas públicas em 2005 evidenciou mais uma vez a péssima qualidade do ajuste fiscal brasileiro. O superávit primário de 4,84% do PIB foi obtido pela alta simultânea de despesas correntes e de receitas, além da tradicional contenção de investimentos. Os gastos primários do governo federal (que não incluem despesas financeiras) aumentaram 10,1% em termos reais, de acordo com cálculos do economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "O nome do jogo mudou. Se antes era o superávit primário, hoje o mais importante é discutir a qualidade do ajuste fiscal", afirma Giambiagi. Nos três anos do governo Lula, as despesas primárias da administração federal tiveram crescimento real de 4,1%, um número um pouco inferior à média registrada no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, de 4,6%. A questão é que, depois de um corte de gastos expressivos em 2003 - quando as despesas primárias caíram 4,2% -, eles se aceleraram muito nos dois anos seguintes, como diz Giambiagi. Em 2004, aumentaram 7,1% e, no ano passado, mais 10,1%. Nos gastos primários estão incluídas as transferências a Estados e municípios e as despesas com pessoal, benefícios do INSS e custeio e capital. A carga de juros fica de fora. Os cálculos de Giambiagi foram feitos levando em conta o deflator implícito do PIB (uma média dos preços da economia, segundo ele). Em 1994, os gastos primários do governo federal equivaliam a 17% do PIB. Hoje, estão na casa de 23% do PIB, diz Giambiagi. Para ele, está mais do que na hora de o país colocar um freio nesse processo. Com aumentos significativos do salário mínimo, os gastos reais do governo com os benefícios do INSS cresceram 8,5% no biênio 2004-2005. Para 2006, o quadro deve se agravar ainda mais, dado o reajuste concedido pelo governo ao salário mínimo, que atinge dois terços dos cerca de 23 milhões de aposentados do INSS. O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, lembra ainda que houve um forte crescimento da arrecadação. A receita primária federal cresceu 8,97% em 2005, corrigida pelo IPCA. Ele estima que a carga tributária total (não apenas do governo federal) aumentou 1,66% do PIB no ano passado. Como quem garantiu o aumento do superávit primário de 4,6% em 2004 para 4,84% em 2005 foram basicamente as empresas estatais, o governo federal, os Estados e municípios gastaram praticamente todo o aumento de arrecadação em relação a 2004. "A qualidade do ajuste fiscal foi ruim e está piorando", afirma ele, também se referindo ao reajuste do salário mínimo, que deve elevar ainda mais o déficit da Previdência neste ano. "Enquanto o resto do mundo investe nos jovens, o Brasil investe na terceira idade", diz Giambiagi. Ao mesmo tempo em que as receitas e as despesas cresceram muito, os investimentos continuaram contidos. Números do Ministério do Planejamento mostram que, no ano passado, o governo federal liquidou apenas R$ 7,917 bilhões em investimentos. Na proposta orçamentária para 2005, o Congresso havia autorizado um montante de R$ 22,1 bilhões. Os R$ 7,917 bilhões equivalem a 5% dos R$ 157,145 bilhões gastos com juros feitos em 2005. "Ter saldo primário é salutar para que o Brasil reduza o seu endividamento, mas da forma como foi obtido no ano passado, une dois lados negativos: o aumento da carga tributária e a redução do investimento público, especialmente em infra-estrutura", afirma, em nota, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Para Giambiagi, o fundamental hoje é segurar a disparada dos gastos públicos, que têm crescido muito acima da inflação. "Se isso não ocorrer, ou a carga tributária vai atingir 40% do PIB ou a inflação vai voltar. Como a sociedade não quer nenhuma dessas duas coisas, chegou o momento de impedir o crescimento ilimitado dos gastos." Para boa parte dos economistas, uma política fiscal mais apertada teria ainda a vantagem de permitir uma queda mais acentuada dos juros, ao não colocar mais lenha na fogueira da demanda.