Título: Só há salvação longe das rinhas
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2004, Política, p. A-8

Na ausência de indicadores sociais melhores para mostrar na prestação de contas que se aproxima com a reeleição, o governo Luiz Inácio Lula da Silva arrumou uma vitrine compensatória. Em nenhum outro período da história brasileira tanta gente com dinheiro e poder foi parar atrás das grades. Com audiência cativa nos lares da dita classe média portadora de recados eleitorais, a Polícia Federal vai se firmando como a campeã de popularidade do governo. Já se somam mais de 40 operações com nomes espetaculares como "Tempestade no Oeste", "Poeira no Asfalto", "Farol da Colina" e "Cavalo de Tróia". Têm enredo de dramas policiais com prisões antecedidas por investigações amparadas em minucioso serviço de inteligência. Os suspeitos ficam livres para agir até que toda a rede esteja identificada. Já desbarataram grandes quadrilhas de contrabando, lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público, venda de sentenças judiciais, adulteração de combustível, exploração sexual de crianças e narcotráfico. Entre os cerca de 400 presos há prefeitos, senadores, ex-governadores, juízes, auditores fiscais, empresários e delegados da própria Polícia Federal. Além da conta bancária dos envolvidos, a maior novidade dessas operações da PF é que há autuados com filiação ou estreita ligação com o partido do governo. O mais notável é o publicitário Duda Mendonça, preso numa rinha de galo às vésperas da eleição, mas a lista de banidos também envolve o prefeito reeleito de Macapá e o governador de Roraima, ambos petistas, e o ex-superintendente da PF em São Paulo, Francisco Baltazar, chefe da segurança das campanhas presidenciais de Lula. Na conta de operações prejudiciais ao PT entram ainda a batida na Caixa Econômica Federal, à época do escândalo Waldomiro Diniz, e o indiciamento do ex-prefeito Paulo Maluf às vésperas da disputa eleitoral em que a prefeita Marta Suplicy (PT) contava com seu apoio. Entrevistado por Cristiano Romero e Rosângela Bittar, do Valor, o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, foi taxativo. Disse que jamais qualquer integrante do governo lhe ligou para fazer qualquer pedido e que, mesmo seu superior imediato, o ministro Márcio Thomaz Bastos, só fica sabendo das operações já deflagradas. Esse grau de independência da Polícia Federal, diz o presidente da Federação Nacional de Policiais Federais, Francisco Garisto, é inédita na história da instituição. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a federação fez inúmeras acusações de uso político da PF, culminando com denúncia de um dossiê que estaria sendo montado por delegados da instituição contra a candidatura Lula.

Atuação da PF não protegerá PT em 2006

Garisto é um admirador da gestão Paulo Lacerda - "É o melhor diretor-geral que a PF já teve". São elogios insuspeitos. O sindicalista tem pendengas com Lacerda traduzidas até em ações judiciais. Tinha a simpatia do PT para ocupar o cargo de Lacerda. À época de sua nomeação, disse que o diretor-geral seria um braço do PFL dentro do governo em função dos anos que Lacerda trabalhou no gabinete do senador Romeu Tuma (PFL-SP). Separa-os também questões corporativas como as rivalidades entre agentes, representados por Garisto, e delegados, função da qual Lacerda é aposentado na PF. As rivalidades agudizaram-se com a desgastante greve de 60 dias dos agentes liderada por Garisto no primeiro semestre. Nada disso o impede de reconhecer os méritos da gestão Lacerda- "Queria estar na ativa agora. A PF está orgulhosa do seu trabalho. No meu tempo não conseguia prender ninguém. Ele está fazendo o que eu e minha geração sempre quisemos fazer e nunca nos deixaram". Essa independência, reconhece, pode se transformar também no maior pesadelo para o PT. No comando de uma instituição com quase três mil filiados, diz conhecer seu eleitorado. Assegura que 80% da PF são saudosistas do governo tucano, 10% são petistas e 10%, nos quais inclui Paulo Lacerda, são profissionais independentes. Essa ala tucana da PF, que diz ocupar postos de poder na instituição, se encarregará de infernizar a vida do governo na reeleição. "É só ver o que aconteceu com o Duda Mendonça, por exemplo. Ele não tinha nada que estar naquela rinha, mas se ia lá toda semana por que deixaram para fazer a operação às vésperas do segundo turno?". Aplica o mesmo raciocínio para o indiciamento de Maluf. "Por mim ele já deveria estar atrás das grades, mas por que o indiciaram na reta final da campanha?" Não há ilusões de que a montanha de informações levantadas pela CPI do Banestado exclua algum partido e tampouco que seus dados estejam sob as sete chaves do PT. Para Garisto, não há blindagem possível contra as investigações da PF. Se o PT quer proteger esta vitrine até 2006, a única saída é se manter bem longe das rinhas.