Título: Crescimento, o centro do debate eleitoral
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2006, Brasil, p. A2

Cada eleição presidencial tem um tema que se torna o centro do debate econômico. Em 1994, em pleno lançamento do Plano Real, o mote era o combate à inflação. Em 1998, o câmbio e a pressão para que o governo deixasse de lado a política de bandas de flutuação. Para quem não se lembra, foi no último trimestre daquele ano, em acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o governo decidiu adotar as metas de superávit primário. Em 2002, a preocupação com a trajetória da dívida pública e o temor de que um governo de esquerda pudesse vir a reestruturá-la foram o centro do debate. As conseqüências, vale ressaltar, foram o encurtamento dos prazos dos títulos públicos e uma debandada de investidores estrangeiros (e brasileiros) que culminou com o dólar a R$ 3,92 em outubro de 2002. Em 2006, o tema é o que fazer para crescer, o que amarra o país e o impede de ter uma expansão maior do que os pífios 2,4% do ano passado, enquanto a China brinda o mundo com um crescimento do PIB de 9,9% e projeta algo mais modesto, entre 8% e 9% para 2006. Num governo que conseguiu saldos inéditos na balança comercial, que manteve a inflação dentro da meta, ampliou o crédito e obteve tantos avanços nos fundamentos da economia - ainda que deva os resultados, em parte, à situação excepcional de liquidez internacional - o baixo crescimento econômico será o calcanhar-de-Aquiles. Do lado público, o governo investiu menos do que deveria porque tinha que atingir as metas de superávit primário. Na prática, era preciso economizar para pagar o juro da dívida. Do lado privado, muitos investimentos ficaram em banho-maria por causa da dificuldade de se obter taxas de retorno compatíveis com as taxas de juro brasileiras. E quando não se expande a capacidade de produção, um movimento de aumento do consumo é capaz de pressionar a inflação. Juro não explica tudo, dirão alguns. É verdade. As decisões de investimento são afetadas por questões regulatórias, jurídicas, ambientais e muitas outras. "Mas a China, quando começou a crescer, fuzilava gente e não tinha propriedade privada dos meios de produção. Ainda assim, recebeu investimentos", lembra o economista Luís Paulo Rosenberg, da Rosenberg & Associados. Para ele, um ferrenho crítico dos juros, antes de fazer o certo, é preciso deixar de fazer o errado, deixar de punir o consumo e aumentar o estímulo para os investimentos. É cada vez mais difícil hoje encontrar um único economista, seja na direita, no centro ou na esquerda, que defenda a política de juro do Banco Central. Alguns números podem ajudar o leitor a entender o porquê. Dados divulgados ontem pelo Tesouro indicam que o governo central (que exclui Estados e municípios) economizou no ano passado R$ 52,488 bilhões, o equivalente a 2,72% do PIB. Isso indica que o Tesouro trabalha com um Produto Interno Bruto de R$ 1,929 trilhão. E se o superávit primário ficou mesmo em 5% do PIB no ano passado (a meta era de 4,25%), a economia de União, Estados e municípios foi de R$ 96,45 bilhões - quase 220 vezes o valor anunciado para a tão comentada operação tapa-buraco do governo federal. Sem dúvida, uma economia admirável, ainda que feita às custas de nossas estradas, hospitais, universidades etc. Mas, resolveu o problema? Não. Apenas os juros da dívida pública mobiliária federal alcançaram R$ 140,9 bilhões no ano passado, de acordo com dados do Tesouro. Ou seja, os juros excederam o superávit primário em R$ 44,45 bilhões, um valor bastante superior ao déficit da Previdência.

Pagamento de juro foi de R$ 141 bi no ano passado

Outro efeito desse juro alto tem sido a atração de capital especulativo estrangeiro. Com uma taxa básica de 17,25% e uma inflação projetada de 5% nos próximos 12 meses, a Trevisan calcula que a taxa de juro real seja hoje de 11,67%. Que estrangeiro não quer um ganho desse? O efeito desse movimento é a valorização do real (em 2005, o dólar acumulou queda de 12,4%). Por um lado, a valorização evita que a alta de commodities como os metais e o açúcar no mercado internacional pressione a inflação, mas também encarece os produtos brasileiros no exterior. "Setores industriais exportadores, como os de calçados e têxtil, já reduziram sua produção e despediram funcionários", ressalta a Trevisan. Luís Paulo Rosenberg defende que a queda na taxa de juro pode desencadear um ciclo positivo: o custo da dívida pública cai e estimula-se investimentos. Com uma arrecadação constante e o país crescendo, abre-se espaço para várias ações como a da MP do Bem, de incentivo a setores específicos. Fica, então, mais fácil negociar as reformas da Previdência, política e do Judiciário. Defender uma política monetária menos apertada será fácil para os adversários de Lula. Já o presidente será refém da autonomia que deu ao Banco Central. Por isso, alguns economistas não descartam mudanças na equipe econômica ainda no primeiro semestre deste ano. Os efeitos de uma política mais frouxa demoram um pouco, mas os sinais é que importam para o mercado, alerta um deles. Ele compara a situação ao que poderia acontecer com o Brasil caso fosse percebido como um país classificado como "investment grade" (investimento recomendável). "O mercado se anteciparia à classificação de uma agência de rating e o tipo de dinheiro que atrairíamos seria diferente. Não seria daquele cara que vem aqui aproveitar o juro de curto prazo", explica. O lado bom dessa discussão toda é que, embora o país ainda não tenha encontrado o caminho do crescimento, os temas que permearam o debate econômico pré-eleitoral nesses últimos 12 anos mostram uma evolução. Do combate à inflação de 1994, passamos aos pilares do crescimento sustentável. Ninguém mais hoje é capaz de defender a volta de um "pouquinho" de inflação ou argumentar que o governo não precisa de superávit primário. As empresas, que antes ganhavam mais com a gestão financeira de seu caixa do que com a operação, hoje defendem a melhor distribuição de renda. Querem vender mais. Os bancos disputam o crédito ao consumidor. E até o combalido financiamento imobiliário volta a ser apontado como um produto interessante. O Brasil, sem dúvida, melhorou. Só falta crescer.