Título: Encontro em Davos deve manter impasse na Rodada Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2006, Brasil, p. A4

Relações externas Lula sugere à África do Sul que organize reunião de chefes de Estado em fevereiro

Antecedida por novas trocas de recriminações entre o Brasil, EUA e União Européia, a reunião de 25 ministros, hoje e amanhã em Davos, está fadada a manter o impasse na negociação para liberalizar o comércio mundial, conhecida como Rodada Doha. Por isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu ontem ao presidente da África do Sul, Tahbo Mbeki, que organize em Pretória, nos dias 11 e 12 de fevereiro, uma reunião sobre a negociação na OMC com os chefes de Estado e de governo que estiverem presentes para a cúpula da Governança Progressista, movimento que reúne também o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o presidente chileno Ricardo Lagos, entre outros. Mbeki aceitou fazer a reunião. Para o Itamaraty, ela vai engajar os chefes de Estado e de governo na negociação. O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que não veio com novas idéias e que vai manter a pressão para a UE fazer nova proposta agrícola, que realmente abra seu mercado. O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, através da imprensa, disse que essa demanda não tem como ser aceita. Relaxado e bem-humorado, Mandelson convidou um pequeno grupo de jornalistas para um café. Disse aceitar que os países emergentes façam concessões menores. "O Brasil não é Benin e a China não é o Chade", disse. "'Não se pode esperar que a UE faça outra proposta agrícola para manter a negociação." Garantiu que a atual proposta significa aumentar as importações européias de frango em 300 mil toneladas por ano e de carne bovina em 800 mil toneladas. "Nos movemos, e o mínimo que pedimos é que o Brasil, por exemplo, faça corte real nas tarifas industriais, e não apenas no papel'." Indagado pelo Valor se a Índia estava mais flexível que o Brasil para desbloquear a negociação, Mandelson disse que sim. Pouco antes, o jornal perguntou ao ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, se a UE estava tentando dividir o G-20. A resposta foi "não". Amorim, que tem feito essa afirmação, encontrou-se ontem com Nath e disse que um dos principais temas foi "a importância de manter a unidade do G-20". O embaixador brasileiro junto à OMC, Clodoaldo Hugueney, afirmou que o entendimento com a Índia está firme. "Estamos colocando no mesmo barco justiça social e comércio", afirmou Amorim, diante de uma pergunta de um jornalista europeu, que queria saber se o Brasil não estava colocando seus interesses acima do interesse geral dos países em desenvolvimento. Na falta de concessões, os principais negociadores vêem chance de desbloqueio em qualquer ação. O chefe negociador dos EUA, Rob Portman, elogiou declarações da chanceler alemã, Ângela Merkel, sobre a importância de acelerar a Rodada Doha. Mandelson aproveitou a conversa com os jornalistas para insistir que, em seu encontro com a chanceler esta semana em Berlim, recebeu a confirmação de que a Alemanha está firme com a posição de Bruxelas. Ou seja, a UE só melhora a oferta agrícola se antes os emergentes, como o Brasil e a própria Índia, fizerem concessões em bens industriais e serviços. Também Portman sugeriu que Brasil e Índia façam concessões, numa posição que alguns viram como "nova abordagem" americana, já que os EUA nos últimos tempos vinham concentrando as cobranças na UE.