Título: O presidente no país das maravilhas
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2006, Política, p. A6

Quem está perdido, não escolhe caminho. Este ditado mineiro, variante da resposta do gato Cheshire à menina Alice no livro de Lewis Carroll, talvez explique a aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que estará entre os ganhadores com o fim da verticalização das coligações. Da mesma forma que a menininha do livro infantil, Lula sentiu a necessidade de seguir uma trilha, sem saber como alcançar o objetivo: a virtualmente irrealizável aliança com o PMDB. Com a verticalização, o apoio pemedebista era impossível, porque o partido está composto com o PSDB em vários Estados e, nesta hipótese, tenderia a ficar sem candidato a presidente. Sem a norma, a aliança ainda permanece no âmbito da miragem, já que a tendência pela candidatura própria foi muito reforçada. O grande vencedor com a votação de anteontem na Câmara é evidente: o PMDB, que, em ocasião raríssima em sua história, depositou todos os seus votos pelo fim da regra. Subiram no mesmo barco os presidenciáveis Anthony Garotinho e Germano Rigotto, os oposicionistas e os governistas. Não há registro anterior de tamanha demonstração de unidade. Em março de 1998, quando o partido se reuniu para debater o apoio ou não à reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi necessário chamar a polícia para separar os contendores. O PMDB ganha o direito de negociar no atacado e no varejo, ter candidato próprio e garantir palanque para Lula em alguns Estados, e para o PSDB, em outros. O ecletismo pemedebista pode chocar, mas é o verdadeiro retrato do Brasil. Afirmar que a regra da verticalização moralizava o processo eleitoral não corresponde aos fatos. Ao negar a realidade do país em 2002, a norma instituiu novas modalidades de cinismo cívico. Os eleitores paulistas, com algum esforço, talvez se lembrem de um certo Sargento Pitoli, do PSB, ou de Lamartine Posella, do PMDB. Eram candidatos a governador de mentirinha, inventados pelos seus partidos apenas porque não tinham como reproduzir no plano regional o padrão nacional de aliança. A queda da verticalização liquida com esta pantomima e mostra a verdadeira face do Brasil: a de uma federação frouxa de interesses regionais e não de um Estado unitário.

Agir contra Garotinho é o que resta para Lula

"Nosso sistema político-partidário sempre foi dual: há um plano nacional e os planos regionais de atuação. Negar isto é desconhecer nossa história", comentou o cientista político Marcus Figueiredo, do Iuperj, núcleo de pesquisa da Faculdade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, citando o exemplo fluminense como síntese do que afirma: lá, PT e PSDB, os dois partidos que monopolizam a cena nacional, são quase nanicos. A briga é entre o PFL, de Cesar Maia, e o PMDB, do casal Garotinho, com o evangélico Marcello Crivella correndo por fora. Vendo o PMDB distanciar-se na linha do horizonte, resta aos defensores da reeleição de Lula torcer pela provável eliminação da candidatura de Anthony Garotinho do quadro, em prol de uma incógnita chamada Germano Rigotto. Ao passar no último dia 20 por Xerém, distrito de Duque de Caxias e terra do sambista Zeca Pagodinho, Lula constatou que não é o candidato da Zona Sul, a região litorânea da capital do Rio que é um símbolo da classe média nacional. O problema para Lula é disputar com Garotinho a Baixada Fluminense, outro emblema brasileiro de bolsão de pobreza, ou "a cara do povo sofrido deste país, que clama por Justiça", conforme definiu o presidente. Garotinho divide a mesma base com Lula. Na pesquisa Ibope de dezembro sobre a intenção de voto no Rio de Janeiro, Lula e Garotinho, somados, tiveram 30% entre os eleitores da Zona Sul e da Tijuca. Na simulação com José Serra como postulante do PSDB, estão próximos de serem ameaçados de ultrapassagem por Heloísa Helena, que obteve 10%. Na Baixada, somam 59%, na opção com Serra na pesquisa, ou 63%, com Alckmin como o candidato tucano. No universo anti-PSDB da periferia do Rio, Garotinho chega a abrir dez pontos de vantagem sobre Lula. É lógico que no resto do país o petista prevalece sobre o pemedebista entre os extratos com menor renda, mas não há dúvida sobre o lugar em que Garotinho irá buscar votos. Da mesma forma como se sabe para onde vão os votos dos adeptos de Garotinho, caso o ex-governador termine rifado pelos caciques pemedebistas.