Título: Repsol revê reservas sul-americanas
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Fonte: Valor Econômico, 27/01/2006, Internacional, p. A8

Menos gás Empresa espanhola revisa em 25% suas reservas e congela investimentos na Bolívia

A Repsol-YPF, maior petroleira da Espanha, anunciou que deixará de explorar o equivalente a 659 milhões de barris das suas reservas na Bolívia - principalmente de gás. No total, a empresa deixará de lado 25% de suas reservas totais comprovadas de gás e petróleo, numa redução que equivale a 1,25 bilhão de barris - 52% na Bolívia, cerca de 41% na Argentina e 4,7% na Venezuela. Segundo a companhia, o aumento dos impostos sobre os hidrocarbonetos na Bolívia atingiu a "viabilidade comercial" da exploração de recursos energéticos no país. Por isso, a Repsol vai congelar cerca de 400 milhões de euros de investimentos que pretendia fazer no país sul-americano. O CEO da Repsol, Antonio Brufau, disse que parte do problema se deve à Lei de Hidrocarbonetos da Bolívia entrou em vigor em maio do ano passado e aumentou a carga de impostos de 18% para 50%. Segundo o executivo, "uma série de campos deixou de ser lucrativa". O presidente boliviano, Evo Morales, tomou posse no domingo passado, mas ainda não adotou medidas efetivas na área de gás e petróleo, apesar de ser esse um dos temas centrais de seu governo. Autoridades da Bolívia dizem entretanto já ter planos para reestatizar refinarias e para influir na fixação de preços. Quanto à Argentina, a Repsol aponta como razão a diminuição da produtividade de seus depósitos e as incertezas quanto à renovação das concessões. Segundo Jorge Lapeña, que foi secretário de Energia do governo Duhalde, o anúncio da Repsol evidencia "que a situação energética na Argentina está muito comprometida por causa da insuficiência das reservas de gás e da impossibilidade de acompanhar o crescimento da demanda energética". Na Venezuela, os motivos seriam as dificuldades criadas pela "migração dos atuais contratos de serviços para joint-ventures" com a estatal PDVSA. A revisão na Bolívia deu início a especulações de que outros produtores, como os britânicos BP e BG, possam também ter de reajustar as suas reservas. A Repsol planeja mudar seu rumo para superar a diminuição produtiva na América Latina, região que responde hoje por dois terços de sua produção total. A companhia planeja que 90% de seu crescimento de produção até 2009 se dê na Líbia, na Argélia, em Trinidad e Tobago e na Venezuela. As ações da empresa caíram 8% na Bolsa de Frankfurt, o maior declínio em pelo menos 12 anos. Na Bolsa de Buenos Aires, a queda foi semelhante (7,9%). Para piorar a sensação de insegurança jurídica das empresas que atuam na Bolívia, o recentemente designado presidente da empresa estatal de petróleo do país (YPFB), Jorge Alvarado, anunciou um plano de estatização das refinarias do país, começando por duas atualmente gerenciadas pela brasileira Petrobras, e mais 20 postos de gasolina. "Este vai ser o primeiro passo. Vamos dar início hoje mesmo aos trabalhos de resgate destas duas refinarias, uma no centro e outra no leste do país", que estão sob controle da Petrobras. O governo brasileiro, por seu lado, reagiu com tranqüilidade às declarações, que viu como direcionadas apenas ao público interno. Além de ter recebido uma declaração oficial do presidente Evo Morales de que protegerá seus investimentos, a diretoria da Petrobras, juntamente com a cúpula do Itamaraty, obteve em conversas reservadas a sinalização de que a Bolívia pretende negociar a compra de uma parte das duas refinarias controladas pela estatal brasileira. As declarações do presidente da YPFB foram vistas como "pirotecnia pura", conforme classificou um diplomata conhecedor da questão dos hidrocarbonetos. Apesar da intenção de comprar uma parte das refinarias, os bolivianos indicaram a intenção de não só compartilhar com a Petrobras o gerenciamento das plantas mas possivelmente até mantê-la à frente da administração delas. Esse tipo de parceria vem sendo proposta há dois anos pela própria Petrobras, e a Bolívia só não aceitou a oferta por falta de dinheiro para entrar novamente no negócio.

(com Paulo Braga, de Buenos Aires, e Daniel Rittner, de Brasília)