Título: País perde investimentos por falta de tratados contra a bitributação
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2006, Brasil, p. A2

O Brasil tem poucos tratados internacionais para evitar a dupla tributação dos investimentos estrangeiros diretos em relação aos outros três países emergentes que compõem os BRICs - Rússia, Índia e China. A Rússia tem 60 tratados, a Índia, 71, e a China, 81. O Brasil mantém apenas 24. A falta de tratados, segundo tributaristas, tira a competitividade do país na hora de disputar investimentos diretos ou acaba tornando-os mais caros. Além do baixo número de tratados, o modelo de acordo predominante seguido pelo Brasil é o da OCDE da década de 70, período em que a maioria dos tratados foi negociada. A maior parte dos tratados da China foi assinada duas décadas depois, seguindo o modelo da OCDE entre 1990 e 2005. Os da Índia e Rússia também são predominantemente da década 90. "Como o Brasil seguiu um modelo mais antigo e não renovou o texto dos tratados, tem acordos mais desvantajosos, que não prevêem cooperação de dados entre os países e nem mecanismos de proteção contra operações triangulares que representam evasão de tributos", diz o tributarista Celso Grisi Filho, que atua como consultor para investidores estrangeiros no escritório da Fox Horan & Camerini em Nova York. Os tratados contra bitributação muitas vezes vão além da mera função de evitar a dupla tributação de valores pagos aos investidores. "Muitas vezes prevêem incentivos fiscais concretos", destaca o tributarista Luís Frederico Battendieri, do Braga & Marfon. O acordo assinado entre Brasil e Holanda, por exemplo, prevê que o investidor holandês terá crédito presumido de 20% do Imposto de Renda (IR) sobre os juros recebidos dos investimentos no Brasil. O crédito representa vantagem para o investidor holandês, já que o Brasil tributa os juros a um IR de apenas 15%. A Espanha também concede 20%. O tratado com a Itália e Áustria dá um ganho maior para o investidor, com um crédito presumido de 25%. Além disso, os tratados podem estabelecer alíquotas menores do que as previstas pela legislação interna. O acordo entre Brasil e Japão limita o imposto sobre juros a 12,5%. Ou seja, 2,5 pontos percentuais a menos que o IR de 15% praticado no Brasil. As isenções de participação são outra vantagem dos tratados, diz Battendieri. Ele lembra que a legislação doméstica espanhola prevê isenção de tributação sobre lucros distribuídos somente se o investidor espanhol tiver mais de 5% de participação na subsidiária estrangeira ou investimento superior a ? 5 milhões. O tratado que o Brasil tem com a Espanha, porém, garante a isenção sem essas condições estabelecidas pela legislação espanhola, diz Battendieri. "O tratado prevalece sempre sobre a legislação doméstica", explica. A ampliação de tratados é considerada por especialistas como uma das formas de atrair investimentos diretos para o país. "Claro que outras variáveis, como mercado e outros custo,s pesam antes, mas em condições semelhantes, o Brasil pode perder quando o desempate se der pelo país que permitir o melhor retorno do lucro. E nessa conta o tratamento tributário vai influenciar", diz Grisi Filho. Levantamento feito por ele com base nos últimos dados do Banco Central sobre o estoque de investimentos estrangeiros diretos no Brasil mostra que a participação das aplicações originadas de países com os quais o país tem tratado se ampliaram de 43,32% em 1995 para 51,18% em 2000. No mesmo período, os investimentos dos países sem tratado fiscal tiveram a participação reduzida de 37,69% para 27,69%. Os ingressos de investimentos estrangeiros diretos de 2001 a 2005 confirmam a mesma tendência, com avanço da participação dos países com os quais o Brasil tem tratado. Estados Unidos, Reino Unido e Suíça, eram, entre os países sem tratado, os que apresentavam estoques de investimentos mais representativos no Brasil em 2000, com total de 27,4%. Os investimentos deles tiveram queda de participação nos ingressos acumulados feitos entre 2001 e 2005, período no qual participaram com 22,2%. Os países com tratados e mais representativos no estoque em 2000, com 47,02% dos investimentos, tiveram sua participação elevada para 51,1% na análise dos fluxos entre 2001 e 2005. O levantamento, feito pelo Núcleo de Estudos de Negócios Internacionais da Universidade Mackenzie, leva em conta somente os investimentos em participação acionária. O tributarista Rodrigo Maitto, do Vieira, Silva e Vasconcellos Advogados, lembra que quando a decisão de investir no Brasil é tomada por uma empresa de país com o qual o país não tem tratado, outras soluções são providenciadas. Uma delas é montar uma operação num país com o qual o Brasil possui tratado. "Isso acontece nos casos em que o custo operacional disso é compensado pela vantagem tributária garantida pelo tratado." Ele lembra, porém, que a operação precisa existir concretamente no terceiro país. Caso contrário, a operação caracterizaria uma triangulação que viola o sentido dos tratados internacionais.