Título: Ata do Copom indica espaço para corte maior dos juros
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Fonte: Valor Econômico, 30/01/2006, Opinião, p. A10

Documento fundamental na comunicação com o mercado financeiro e com a sociedade, a ata da reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central não explicita os riscos inflacionários que levaram a autoridade monetária a cortar em apenas 0,75 ponto percentual a taxa Selic, para 17,25% ao ano. Pode-se argumentar que, prudentemente, o Copom se esmera em evitar sinais que comprometam seus passos futuros num ambiente incerto. É fato, porém, que mensagens pouco elucidativas se tornaram norma na sua comunicação. O excesso de zelo torna frágil a credibilidade do sistema de metas de inflação e amplia os custos da política monetária. Vale lembrar que, em dezembro, o BC se dividiu em dois grupos. A ala conservadora, que saiu vencedora, votou por um corte de 0,5 ponto na Selic, sustentando que corresponderia "à velocidade ótima de implementação desse processo de flexibilização". Na ocasião, dois membros do Copom votaram por um corte maior, de 0,75 ponto, porque "proporcionaria uma sinalização mais condizente com o atual balanço de riscos entre atividade e inflação". Já em janeiro, a decisão foi unânime, com redução de 0,75 ponto, na segunda reunião mais longa do governo Lula, com 4h45 de duração. As notas do encontro deixam de relatar, porém, como os membros do comitê atingiram o consenso. Aliás, falta dizer qual foi o consenso. Não há nenhuma linha que explique se, na visão do Comitê, o corte de 0,75 ponto na Selic representaria, na verdade, a manutenção da política de reduções graduais de 0,5 ponto por mês nos juros - em 2006 haverá 8 reuniões do Copom em vez de 12. Tampouco a ata diz se 0,75 ponto significa que a ala conservadora se rendeu aos argumentos da minoria. As notas do Copom descrevem um quadro inflacionário benigno que, a rigor, justificaria juros menores. Diz a ata que, "em boa medida, a alta recente (da inflação) se deve a fatores pontuais, de caráter predominantemente sazonal (...), sem que, necessariamente, observemos contaminação para horizontes mais longos". Inexistem indícios de riscos de a atividade extrapolar a capacidade produtiva da economia. A leitura é que o setor industrial se mantém estagnado. "As taxas de crescimento alternam sinais positivos e negativos, mas, de modo geral, a produção industrial vem se mantendo em níveis historicamente elevados", diz a ata. Sem uma interpretação clara e direta do Copom, esse conjunto de informações leva à conclusão de que havia espaço para cortes maiores nos juros - o que significa que não faltou razão ao presidente Lula ao expressar, diante de parlamentares, seu desejo de queda de um ponto na Selic. Em seu favor, o BC pode dizer que, em anos recentes, sua transparência aumentou infinitamente, com atas, pronunciamentos oficiais, textos para discussão e relatórios trimestrais. Ainda são frescos na memória os primeiros anos do sistema de câmbio quase fixo, quando a autoridade monetária repetia o bordão de que "o BC fala por meio de sua mesa do Demab", referindo-se ao Departamento do Mercado Aberto, onde é formada a Selic. Há, porém, enorme distância entre aquele regime - em que o BC abria mão de fixar os juros, que flutuavam ao sabor dos fluxos de capitais - e o momento atual, em que a política monetária tem maior discricionariedade. Não pode o BC abrir mão de coordenar as expectativas inflacionárias, reduzindo os custos de cumprimento das metas. É igualmente fundamental que tenha credibilidade junto ao mercado. Nunca é demais lembrar que o BC tem controle direto apenas sobre os juros de curtíssimo prazo. Mas é a curva de juros futuros, desenhada pelo mercado, que se constitui no verdadeiro canal de transmissão da política monetária. Sobre ela, o BC tem apenas uma influência indireta, por meio de sua credibilidade. De nada adiantam mecanismos institucionais de comunicação se não houver conteúdo. Se o BC não se comunica bem, o mercado financeiro pode se dar conta que - como foi levantado recentemente pelo secretário do Tesouro, Joaquim Levy - há alguma inconsistência num cenário econômico que prevê inflação sob controle, câmbio comportado, superávits primários vigorosos, mas as taxas de juros reais mais elevadas do mundo.