Título: Bush pode ir a cúpula para desbloquear Rodada Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2006, Especial, p. A12

Relações externas EUA ainda acreditam em acordo, diz Portman

O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, está pronto a participar do encontro de cúpula sobre comércio proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde que tenha clara indicação de que a iniciativa será produtiva e não apenas retórica. Foi o que afirmou ao Valor o negociador comercial dos EUA, Rob Portman, em Davos. Para ele, só dá para engajar diretamente os chefes de governo na negociação se a cúpula servir para os países colocarem na mesa concessões em agricultura, produtos industriais e serviços - o que se recusam a fazer atualmente - e, com isso, abrir o caminho para se concluir a negociação para liberalizar o comércio global, conhecida como Rodada Doha, que ocorre na Organização Mundial do Comércio (OMC). Portman ressalvou que a iniciativa não é para já, e que é necessário esperar reuniões ministeriais previstas para março entre os principais atores - EUA, União Européia, Brasil, Austrália, Índia e Japão. " Não está claro se um encontro de líderes políticos pode quebrar o impasse " , disse Portman. " Mas estamos considerando a idéia. " O representante americano observou que a Rodada Doha " não está ainda perdida " e que Washington acredita em sua conclusão no ano que vem. Fontes americanas não esconderam a decepção com declaração do comissário de comércio da UE, Peter Mandelson, que afirmou que colocar fim às negociações agora não provocaria nenhum prejuízo para os europeus, porque eles não teriam recebido nada dos parceiros. Essa afirmação foi recebida como uma ameaça de Bruxelas de que pode jogar a toalha, se pressionada demais a abrir mais seu mercado agrícola. Numa reunião de 25 ministros em Davos, no sábado, pelo menos o ambiente melhorou. Dessa vez Mandelson não trocou duras acusações com o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e nem atacou o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. Como o Brasil havia proposto, a idéia é que a partir de agora todos se movam ao mesmo tempo. Teoricamente, significa que Brasil e UE deveriam trocar concessões ao mesmo tempo em bens industriais e agricultura. Na prática, porém, as táticas de negociação vão continuar adiando esse cenário. Os ministros saíram com um calendário de quatro páginas reafirmando os prazos para alcançarem compromissos. É algo que não dá para levar muito a sério, até porque nenhum prazo foi respeitado em quatro anos de negociação. E mais difícil ainda agora, quando as divergências continuam enormes. É nesse cenário que o Brasil insiste com a proposta de cúpula. Para Amorim, a negociação chegou a tal ponto que agora só os lideres políticos podem tomar as decisões para abrir ou não os setores econômicos pedidos pelos parceiros. O ministro chegou a sugerir, durante entrevista coletiva, que a cúpula seja realizada entre fins de fevereiro ou começo de marco, talvez no Brasil. Essa carta está na manga de todo mundo - mas para mais tarde. O Japão é um dos que se opõem a uma cúpula rapidamente, por entender que um fiasco entre os chefes de governo significaria enterrar de vez a Rodada Doha. Na mesma linha, o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, ironizou a proposta brasileira: " Achar que o presidente Chirac (da França) vai aparecer com uma nova proposta agrícola é brilhante " . O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, também não esconde seu desagrado com o impulso que Lula quer dar. Ele sugeriu que seria mais útil uma reunião de parlamentares dos principais países, argumentando que eles é que vão ou não depois ratificar os acordos em negociação. Mas há também preocupação com o que pode sair de uma cúpula, do lado europeu. Numa reunião contando com o primeiro-ministro Tony Blair, liberal, e o presidente francês Jacques Chirac, protecionista, fontes acham que o segundo sairia vencedor - e a negociação certamente não seria desbloqueada. Além disso, negociadores experimentados insistem que uma negociação comercial só acaba andando em meio a crises. E que a atual não seria ainda suficiente para uma cúpula de presidentes.