Título: Salvaguardas podem beneficiar argentinos
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2006, Brasil, p. A4

As negociações entre Brasil e Argentina para adoção de salvaguardas no comércio bilateral estão caminhando para o impasse. Se os técnicos não conseguirem chegar a um acordo hoje, em reunião que ocorre em Buenos Aires, o assunto será decidido pelos presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro marcado para fevereiro. Fontes próximas às negociações temem que, no último caso, o Brasil tome uma decisão política, que favoreça a Argentina, e aceite a criação de um mecanismo de salvaguardas prejudicial aos interesses da indústria brasileira. "Do jeito que vai, é um retrocesso, um cheque em branco para os argentinos", diz uma fonte que acompanha de perto as discussões. Segundo essas fontes, está faltando flexibilidade aos argentinos, que parecem preferir deixar os temas polêmicos para um entendimento entre os presidentes. Termina hoje o prazo para a conclusão das negociações das salvaguardas estabelecido por Lula e Kirchner durante as comemorações do Dia da Amizade, em dezembro, em Puerto Iguazú. A principal divergência entre os negociadores brasileiros e argentinos é o estabelecimento de um mecanismo que evite o "desvio de comércio", ou seja, impeça que a adoção de salvaguardas (cotas) contra produtos brasileiros acabe beneficiando as importações de produtos de países de fora do Mercosul. Os argentinos "não aceitam sequer conversar sobre o assunto". E o Brasil não está disposto a ceder. Recentemente, a adoção de cotas pela Argentina para a importação de geladeiras brasileiras favoreceu os produtos do México. Brasil e a Argentina também não concordam nos prazos de negociação. Os dois países concordam em discutir durante 30 dias antes da adoção das salvaguardas. Mas, enquanto a Argentina quer encerrar as conversas depois que a medida for aplicada, o Brasil prefere seguir negociando a questão. Proposta inicial dos argentinos, a adoção de um "gatilho" de câmbio ou de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não está mais na mesa de negociação. O governo brasileiro parece ter convencido os argentinos a desistir do polêmico pleito de condicionar o estabelecimento das salvaguardas a variações de câmbio ou do crescimento da economia dos dois países. A Argentina aceita a criação de um tribunal arbitral, ao qual a indústria brasileira poderá recorrer se sentir prejudicada, mas se recusa a definir claramente o que é "dano" à indústria nacional, o que dificulta qualquer defesa. O prazo de duração das salvaguardas, que na avaliação do Brasil deveria ser de três anos, também está em discussão. Embora já tenham aceito uma eventual adoção das salvaguardas, os empresários brasileiros estão bastante insatisfeitos com o rumo das negociações. "Se as salvaguardas forem adotadas desse jeito, a Fiesp vai bater de frente", garante Roberto Gianetti da Fonseca, diretor de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Entre outras exigências, a entidade não abre mão de um mecanismo que puna o desvio de comércio. "Já que é inevitável, que pelos menos, respeitem as nossas condições. Dessa maneira, é inadmissível", diz Osvaldo Douat, presidente da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), entidade coordenada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Douat frisa que a CEB é contra salvaguardas e diz que o mecanismo contraria os princípios do Mercosul. Ele reforça que, sem evitar o desvio de comércio, as salvaguardas não estarão protegendo a indústria argentina, mas privilegiando terceiros países. "A pressa não justifica aceitar um acordo sem as condições mínimas necessárias", diz Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Ele diz que a entidade "não vê com os bons olhos" a adoção das salvaguardas nessas condições. A reunião de hoje terá a presença de funcionários graduados do governo brasileiro: o secretário-executivo do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães; o secretário-executivo do Desenvolvimento, Ivan Ramalho; e o diretor de assuntos internacionais da Fazenda, Luiz Pereira.(RL)