Título: Ação efetiva contra a pobreza
Autor: Rodrigo de Rato
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2006, Opinião, p. A11

Este é o ano em que a comunidade internacional precisa passar decisivamente de promessas à ação

Instituições e governos, também como as pessoas, tomam más decisões no início de um novo ano. Mas, para os milhões que sofrem o esmagador ônus da pobreza, meras proclamações de que a ajuda está a caminho não são suficientes para criar empregos ou fomentar desenvolvimento. Neste ano, a comunidade internacional precisa passar decisivamente de promessas à ação, no esforço de redução da pobreza. O que será necessário para isso? Em 2005, a comunidade internacional renovou seu compromisso no sentido de ajudar os países mais pobres a atingirem as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs) definidas pela ONU, que visam reduzir a pobreza à metade até 2015. Esses compromissos incluem aumentos consideráveis de cancelamento de dívidas e de ajuda. Embora tenha havido progressos na implementação de medidas de abatimento de dívidas, a comunidade internacional precisa cumprir outros itens de sua promessa, proporcionando maior ajuda e promovendo sua melhor utilização. Não é de hoje que os emprestadores multilaterais compreenderam a importância do abatimento de dívidas para a redução da pobreza. Com efeito, a iniciativa conjunta - do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial - "Países Pobres Extremamente Endividados" (HIPC, na sigla em inglês) foi lançada em 1996 para coordenar esforços de organizações multilaterais e governos, visando reduzir o custo do endividamento de países pobres a níveis sustentáveis. Até agora, os resultados são encorajadores. Antes da iniciativa HIPC, os países beneficiários gastavam com o serviço da dívida, em média, pouco mais do que em saúde e educação somadas. Atualmente, a dívida dos 28 países para os quais foi aprovado um cancelamento diminuiu, em média, em dois terços, ao passo que seus gastos em saúde, educação e outros serviços sociais cresceram para quase quatro vezes o montante dos pagamentos de juros do endividamento. Em 2005, a comunidade internacional foi além, firmando a Iniciativa Abatimento Multilateral de Dívidas (MDRI, na sigla em inglês), que cancelará 100% das dívidas de muitos países pobres com o FMI, o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Africano. Como resultado, em dezembro passado o FMI aprovou um cancelamento imediato e total de dívidas de 19 países - entre eles 13 na África, 4 na América Latina e 2 na Ásia - envolvendo todo o endividamento pendente de quitação e recebido antes de 1º de janeiro de 2005. Outras nações também têm direito ao benefício e o FMI está ajudando-as a fazer rápidos progressos no sentido de cumprir os requisitos necessários - e o cancelamento total de dívidas deverá superar os US$ 5 bilhões. Assim como no caso da iniciativa HIPC, da qual faz parte, a MDRI fará mais do que abater dívidas: ela liberará recursos que podem ser dedicados à redução da pobreza e ao desenvolvimento econômico. Em 2006, por exemplo, Zâmbia verá sua dívida cair em quase 10% de seu Produto Interno Bruto (PIB), liberando mais recursos disponíveis para o desenvolvimento. Também a Guiana terá sua dívida reduzida - em mais de 8% do PIB. O nível de cancelamento de dívidas será ainda maior depois que o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Africano concluírem seus próprios programas nos próximos meses.

Esforços externos podem ajudar a reduzir a miséria, mas são os esforços dos próprios países pobres que produzirão o impacto mais importante

Independentemente disso, o cancelamento de dívidas atualmente em implementação somente constituirá uma pequena parte da ajuda, tanto financeira como técnica, que os países de baixa renda precisam para cumprir as MDMs. Para que elas sejam cumpridas, os doadores precisam também cumprir seus compromissos de proporcionar substanciais aumentos na ajuda. Já há muito tempo o FMI exortou os doadores a cumprirem as metas internacionalmente aceitas de ajudar o desenvolvimento de outros países no montante de 0,7% do PIB dos doadores. Alguns doadores agora prometeram fazê-lo, embora apenas gradualmente, com o passar do tempo; outros não se mostram dispostos a ir até esse ponto, mas prometeram mais ajuda do que a que oferecem atualmente. A comunidade internacional precisa demonstrar que vai cumprir de fato essas promessas. Os doadores precisam dar a ajuda que os países em desenvolvimento necessitam urgentemente. Ao mesmo tempo, devemos assegurar que os países de baixa renda empreguem o abatimento da dívida e a ajuda com eficiência. Uma prioridade é garantir que novas e grandes injeções de ajuda não produzam conseqüências econômicas indesejadas, como rápida valorização de moedas ou inflação, que reduziria a competitividade das exportações dos países beneficiários. Outra prioridade é assegurar que os países de baixa renda que estão se empenhando em cumprir as MDMs, e que têm grandes necessidades de financiamento, evitem uma nova espiral de endividamento. Os ganhos decorrentes do cancelamento de dívidas no contexto do MDRI serão pouquíssimos se os países de baixa renda zerarem suas posições e simplesmente iniciarem um ciclo de novo endividamento. Mas os países beneficiários precisam complementar os esforços dos doadores e continuar a fazer sua parte, efetivando reformas e implementando políticas macroeconômicas saudáveis, e fazendo o melhor uso possível dos níveis mais altos de ajuda. Esforços externos podem ajudar a reduzir a pobreza, mas são, em última instância, os esforços dos próprios países de baixa renda no sentido de dar sustentação a um vigoroso desempenho econômico, melhorar o gerenciamento governamental e desenvolver instituições estáveis e eficazes que produzirão o impacto mais importante na redução da pobreza. Os países de baixa renda também podem ampliar suas perspectivas mediante um fortalecimento de seu gerenciamento fiscal, estimulando o desenvolvimento do setor privado e liberalizando o comércio. Se mantivermos nossas promessas, 2006 poderá ser um ano de esperança para aqueles que têm pouco mais do que um sonho de uma vida melhor.