Título: O falso dilema de 2006: seguir ou dar meia-volta?
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2006, Brasil, p. A2

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, acredita que, dependendo da "cara" do governo eleito em outubro deste ano, o Brasil será incluído pelas agências de classificação de risco no clube das economias civilizadas. É o clube dos países com "investment grade" (grau de investimento), a classificação que permite a essas nações se financiar no exterior a custos baixos. Isso poderá acontecer, na opinião de Levy, até o fim de 2007, quando a próxima gestão - de Lula ou de seu sucessor - tiver mostrado a que veio. "Tenho convicção de que, se a gente não resolver achar que já ganhou a partida, o Brasil será 'investment grade' possivelmente no começo do próximo governo. Talvez, no Carnaval de 2007 dispare o processo e possamos fechar o ano já com essa classificação", prevê o secretário. O teste será o ano eleitoral em curso. Em seu decorrer, saberemos se o governo Lula manterá as políticas que adotou com firmeza em janeiro de 2003 ou se seu possível sucessor as consagrará, primeiro, no discurso e, depois, na prática. Levy não tem dúvidas de que, apesar de todos os ruídos - as duras críticas ao fato de o país crescer abaixo da média internacional, os ataques à estratégia macroeconômica adotada, as dúvidas sobre o impacto real dos programas sociais, a decepção com os baixos investimentos feitos pelo setor público -, o Brasil avançou muito nos últimos anos. Ele vai além dos anos Lula e mostra como o país tem hoje uma situação muito mais robusta. Os dados exibidos por Levy comparam a situação do país nos anos que antecederam as últimas quatro eleições diretas para presidente e o próximo pleito (ver tabela). O que se vê nos números é o um país muito mais forte e amadurecido do que aquele que, em 1988, derrotado por uma inflação crônica, estava a um ano da primeira eleição direta depois de vinte anos de ditadura militar. Numa apresentação preparada para investidores e credores, Levy enfatiza também os avanços sociais - para ficar em apenas um deles, o Brasil exibe agora o melhor nível de distribuição de renda em 25 anos. Vendo o debate que se trava na sociedade, num ambiente muito contaminado pela discussão em torno de um item da política econômica - a taxa de juros administrada pelo Banco Central -, o secretário teme que o país vacile diante dos avanços conquistados e dê meia-volta. "Apesar de muitos trancos e barrancos e também porque o mundo está melhor, este governo, jogando muito dentro da cartilha, conseguiu consolidar e em alguns casos fazer uma mudança importante da economia", sustenta Levy.

Levy prevê "investment grade" em 2007

Em três anos, o Brasil conseguiu mudar a percepção dos credores. No início do governo Lula, o PT tentou atrair investimentos de fundos de pensão dos trabalhadores americanos. Foram feitos seminários, viagens, o presidente se empenhou pessoalmente. Não veio um centavo. E não veio porque, naquele momento, ninguém confiava no país. A situação hoje é bem distinta e, se alguém voltar aos fundos americanos, poderá obter alguns caraminguás. O país equacionou a dívida externa - em termos líquidos, ela está em torno de US$ 30 bilhões -, um problema que, nas últimas décadas, foi fator de constrangimento para a expansão do PIB. O resultado está aí. O risco-país é o menor da História e continua declinando. O Brasil já está pagando juros mais baixos para se financiar lá fora. "Na última emissão do Tesouro, um ano atrás o mesmo papel foi emitido a uma taxa de juros de 7,55% ao ano. Hoje, foi emitido a 5,45%. O prêmio de risco nesse papel, um título de nove anos, foi abaixo de 200 pontos básicos", cita Levy. "Investment grade é a solução do mundo? Não, mas tem um efeito positivo sobre investimento. O país vai ter acesso ao dinheiro barato." Internamente, o governo, mesmo deixando a despesa corrente correr solta, produziu superávits primários em suas contas, suficientes para diminuir a relação dívida/PIB. A situação - em 2005, a dívida equivalia a 51,6% do PIB - está longe de ser a ideal. E é aí que entra o risco do momento atual. Não é hora para se viver um falso dilema: aprofundar o ajuste ou mudar tudo? "O momento é de fortalecer, confirmar o que conquistamos e não de renegar. Se fizermos isso, as projeções para o futuro ficarão mais otimistas. No fundo, o que estamos dizendo é que, partindo de onde estamos, vale a pena fazer as outras reformas. Vamos fazer reformas porque o que a gente já conseguiu fazer mostrou resultados", sugere Levy.