Título: Armas do PT e do PSDB para o duelo
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2006, Política, p. A4

A peça orçamentária de 2006 transformou-se num pacote de bondades. Para o relator-geral da proposta do governo federal, deputado Carlito Merss (PT-SC), "é a hora do povo no Orçamento". Esse "momento povo", acrescenta ele, deixa os partidos da oposição - PSDB e PFL - furiosos. A elaboração do Orçamento Geral da União não necessariamente é a hora do povo, mas não restam dúvidas de que essa é a hora de conquistar o voto do eleitor. O uso político do Orçamento é uma arma do atual governo - e de qualquer administração - para angariar votos. O salário mínimo de R$ 350, que dará ao trabalhador o maior poder de compra em 40 anos, será pago a partir de abril; está sendo organizado um escalonamento de reajustes salariais do funcionalismo público para que até dezembro deste ano os servidores tenham obtido, em média, um aumento de 29% ao longo dos quatro anos do governo Lula. Para alcançar a meta, serão necessários R$ 5 bilhões. O relator do Orçamento só dispõe, até agora, de R$ 1,5 bilhão. Mas, certamente, encontrará fontes de recursos para satisfazer o "povo". Além disso, decidiu dar até um pequeno presente para a classe média: o reajuste de 8% da tabela de Imposto de Renda. O Orçamento da União já saiu do forno do Executivo com R$ 8 bilhões para o Bolsa Família. Fazer o "orçamento do povo" exige boa aritmética. Ou, como melhor definiu um ministro, "enquanto ninguém vota o Orçamento, as prioridades mudam". Um exemplo: quando o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, discutia com a cúpula do Executivo a necessidade de aumentar o salário mínimo e os impactos positivos que a medida geraria na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não hesitou em sugerir que o governo retirasse verba dos Estados para a compensação de perdas da Lei Kandir. E assim foi. Para aumentar o mínimo e reajustar os salários do funcionalismo, o governo pretende dar aos Estados R$ 3,4 bilhões como compensação às perdas com exportações. Os governadores pediram R$ 10,7 bilhões. Em 2005, pediram R$ 18 bilhões e levaram os mesmos R$ 3,4 bilhões, acrescidos de R$ 1,8 bilhão em incentivos com base na Lei de Fomento. A oposição errou nos cálculos quando decidiu postergar a votação do Orçamento de 2006 para prejudicar o governo, apostando que seguraria as torneiras de investimento do Estado. "Eles têm como administrar com folga até julho ou agosto", admite um dirigente do PSDB. O governo sabia das dificuldades para votar o Orçamento no fim de 2005 e fez empenhos antecipados. Carlito Merss reconhece que o novo Orçamento poderá dar um "empurrãozinho" na reeleição do presidente Lula. Assegura, no entanto, que a proposta orçamentária reflete a lógica petista de governar, e não um projeto eleitoral. O ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, afirmou em reportagem publicada ontem no Valor: "Não somos donos dos pobres, mas nossa paixão social é maior. Somos entendidos do assunto".

Eleitor entra na guerra usado pelos dois lados

De fato, o programa de governo do PT prega um "modelo de desenvolvimento alternativo, que tem o social por eixo". O mesmo programa fala, ainda, de bandeiras do PT hoje escondidas no recôndito da memória, inalcançáveis na prática. "Um Estado eficiente, ágil e controlado pelos cidadãos é também a melhor arma contra o desperdício e a corrupção", sentenciavam os petistas. Quando o tema era Orçamento, enfatizavam no programa de governo a necessidade de controle social e citavam as experiências do famoso Orçamento Participativo. "A boa experiência do Orçamento Participativo nos âmbitos municipal e estadual indica que, apesar da complexidade que apresenta sua aplicação no plano da União, ela deverá ser estendida para essa esfera", pregavam. Era também bandeira petista, coincidentemente do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o Orçamento Impositivo. Sem máquina para usar e orçamento para manipular, a oposição buscou outras armas. Processar continuamente Lula por propaganda eleitoral extemporânea não se trata de birra. É estratégia política, discutida entre a cúpula tucana. Serão sucessivas representações contra o presidente ajuizadas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Só na semana passada foram quatro representações, em função de discursos do presidente pelo país em inaugurações de obras. Se o presidente Lula for multado, o PSDB quer saber de onde virá o dinheiro para pagar as multas, que podem superar R$ 30 mil. Os ministros do TSE decidiram no dia 30 último multar Lula em R$ 48 mil por fazer propaganda eleitoral antecipada. Mesmo que as representações não resultem em multas a Lula, o PSDB quer deixá-lo com uma "folha corrida". O ministro Marco Aurélio Mello, que assumirá a presidência do TSE, acredita que o "currículo" do candidato influencia na hora do julgamento. Se for reincidente, pior para o presidente. Na guerra eleitoral, o PSDB realiza, a cada 15 dias, pesquisas internas qualitativas e quantitativas de intenção de votos para se decidir entre o prefeito José Serra e o governador Geraldo Alckmin. Na última, realizada pelo Instituto MCI, do cientista político Antônio Lavareda, José Serra estava 12 pontos à frente de Lula no primeiro turno e 18 pontos na dianteira num segundo turno. Já o governador de São Paulo perdia num primeiro turno, por quatro pontos percentuais, mas se recuperava no segundo turno, com cinco pontos à frente do atual presidente. A sondagem foi feita por telefone. Não há armistício em ano eleitoral. Cada um usa e abusa do poder bélico de que dispõe. E o eleitor é obrigado a entrar na guerra, usado pelos dois lados.