Título: Amazônia vai exportar açúcar mascavo
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2004, Agronegócios, p. B-10

O açúcar mascavo produzido por caboclos de comunidades remotas do Amazonas começa a virar produto de exportação. A comunidade de Vila União, na margem direita do rio Juruá, a cerca de 200 quilômetros da sede do município de Eirunepé (a 1.150 quilômetros a sudoeste de Manaus) acaba de fornecer uma tonelada do produto para a empresa amazonense Agrorisa utilizar na produção de xarope de guaraná a ser exportado para a Itália. Por enquanto será uma exportação indireta, mas existe a perspectiva de venda direta do próprio açúcar mascavo para a Itália e para os Estados Unidos. A produção de açúcar mascavo - ou gramixó, como é chamado pelos caboclos - no interior da Amazônia começou entre o fim do século 19 e início do século 20, levada pelos nordestinos que trabalhavam nos seringais. O objetivo maior era fabricar a inseparável rapadura, cuja diferença para o açúcar mascavo é, basicamente, de ponto. Com a decadência da produção de borracha natural e, conseqüentemente, dos seringais, a produção de cana-de-açúcar na região tornou-se residual, restrita a comunidades remotas. Em meados da década passada, a Coca-Cola, que em 1990 havia instalado na Zona Franca de Manaus sua fábrica brasileira do xarope básico para a produção do seu refrigerante principal, criou um programa para estimular a retomada da produção de açúcar mascavo em maior escala, dando garantia de compra de até 600 toneladas anuais para uso na fábrica de xarope. O Projeto Gramixó, como foi batizado o programa, envolve atualmente comunidades de 27 municípios, que produziram, segundo dados da própria Coca-Cola, 2.234 toneladas de açúcar mascavo no ano passado, a partir de uma área cultivada total de 1.646 hectares. De acordo com Nélson Marinho, técnico da Coca-Cola responsável pelo Projeto Gramixó, além de garantir a compra de parte da produção, a multinacional fornece assistência técnica, em parceria com o governo do Estado, e apoio logístico, assegurando o transporte do açúcar da sede do município produtor até Manaus - o que, no caso de Eirunepé, significa uma viagem de barco de duas semanas. Segundo o Relatório de Responsabilidade Social 2003/04 da empresa, foram investidos cerca de R$ 130 mil no programa no ano passado. Apesar de garantir a compra de 600 toneladas, o máximo que a múlti já adquiriu em um só ano foram 140, em 1998. Em 2003, foram 75 (3,36% da produção) e para este ano estima-se 100. Marinho disse que grande parte da produção é consumida nas próprias regiões produtoras ou vendida diretamente a compradores que passam nas margens dos rios. Ele prevê salto da produção em 2005, com a entrada em produção de sete novos engenhos (moendas) nos municípios de Parintins (dois), Maués (dois), Japurá, Coari e Tefé. Os engenhos são doados pelo governo do Estado, por intermédio do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas (Idam). A Coca-Cola paga R$ 0,74 por quilo do gramixó - R$ 0,67 como pagamento do produto e R$ 0,07 para estimular a organização comunitária. Essa organização é necessária para que os produtores, que atuam na informalidade, possam vender seus produtos diretamente para companhias formais, como a própria Coca-Cola. Atualmente, a multinacional é obrigada a contar com a intermediação das prefeituras para formalizar a compra, o que deixa os caboclos vulneráveis a injunções políticas. Agora mesmo, os produtores de Vila União estão apreensivos porque o atual prefeito foi derrotado nas urnas e eles não estão certo de que contarão com o apoio da nova administração. Para escapar da dúvida, eles correm para formalizar a Associação dos Produtores de Cana-de-açúcar de Vila União. Pouco afeitos às lides burocráticas, dependem, para isso, da assistência técnicas das autoridades. Política à parte, os caboclos querem melhores preços. Eles conseguem vender por até R$ 1 o quilo aos compradores ocasionais de beira de rio, mas não têm a garantia de continuidade. A Coca-Cola argumenta que seu preço garante remuneração e que ela, além de se responsabilizar pelo transporte, compra o produto independentemente da qualidade. Mas a empresa admite que os agricultores podem obter melhores preços, como conseguiram R$ 1,50 por quilo no fornecimento para a Agrorisa. Na qualidade está o maior obstáculo à entrada do gramixó amazonense no cobiçado mercado externo de produtos naturais. Livre de agrotóxico, o produto foi considerado excessivamente úmido e impuro quando apresentado este ano em feiras dos Estados Unidos e da Itália. Em Vila União, Marinho mostrou que as "impurezas" são basicamente insetos (abelhas) que caem nos tachos onde a garapa (caldo) de cana é transformada em açúcar e terra da própria cana que fica na garapa no processo de moagem. Ele orienta os caboclos a colocar telas em volta da casa de engenho para evitar os insetos e a construírem decantadores artesanais, de madeira, para separar a garapa dos resíduos de terra. Como o aprendizado técnico é lento, Marinho avalia que, por hora, as exportações que podem prosperar são as indiretas, via xarope de guaraná.