Título: Enriquecida, Sorriso não digere a crise
Autor: Cibelle Bouças
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2006, Agronegócios, p. B12

Conhecida como a capital mundial da soja pelos 600 mil hectares plantados com o grão, Sorriso deverá colher 1,98 milhão de toneladas nesta safra 2005/06, quase 6% menos que em 2004/05, segundo a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente. A colheita está no início, e aviões agrícolas cortam o céu despejando fungicidas para conter a ferrugem, problema que, para os produtores, soma-se ao mercado adverso. Para boa parte dos moradores de Sorriso, que elevaram seu padrão de vida com a expressiva rentabilidade da soja no início desta década, é difícil digerir as perspectivas de mais um ano de crise de liquidez. Além dos aviões, são comuns na cidade caminhonetes e automóveis importados, revendas de grifes famosas, hoje com generosos descontos, e o aluguel de casas a preços ainda comparáveis aos de capitais - uma kitinete, por exemplo, sai em média por R$ 280 por mês. "Vi muita gente quebrar, muitos venderam tratores e terras para financiar esta safra. E na próxima?", questiona o pioneiro Argino Bedin, que há 24 anos produz soja em Sorriso. Bedin acompanhou a evolução de Sorriso desde a década de 1970, quando a cidade recebeu intenso fluxo de imigrantes italianos. Da região onde se produzia só arroz ("riso", em italiano) nasceu a cidade, emancipada há 19 anos e hoje dedicada quase que exclusivamente à soja e ao milho. Responsável por 2% da produção brasileira de grãos, o município amarga os efeitos dos baixos preços da soja, principal fonte de geração de impostos. Segundo o prefeito Dilceu Rossato (PPS-MT), a arrecadação de impostos caiu 4% em 2005 em relação a 2004, para R$ 54,7 milhões. Para 2006, a expectativa é que o montante chegue a R$ 59 milhões, graças ao aumento no repasse de verbas do governo federal e à construção de duas novas universidades, que farão companhia à já instalada Faculdade Integrada de Sorriso, braço da Universidade de Mato Grosso (Unemat). O município, que chegou a registrar 65 mil moradores entre 2003 e 2004 - quando a saca de soja alcançou R$ 40 na região - hoje conta com cerca de 60 mil habitantes, conforme a prefeitura. Muitos dos migrantes deixaram a cidade com a queda nos preços da soja. O movimento é notado por prestadores de serviço como Antônio Rodrigues Salvador, um dos 40 taxistas do município. Nos tempos de pujança da soja, ele chegava a fazer 15 corridas por dia, mas hoje a média de viagens caiu para quatro. "Espero que o dólar melhore com o ano eleitoral, para ver se esse pessoal ganha mais com a soja". Odenir Zapani, gerente da casa de construção Paraná Ltda., diz que as vendas na loja, que chegaram a triplicar em 2003, recuaram 20% em janeiro passado sobre igual mês de 2005. "Todos estão esperando melhorar o preço da soja para voltar a comprar", acredita. Mas Nelson Piccoli, presidente do Sindicato Rural de Sorriso, não prevê melhora de preços, A tendência, segundo ele, é de demissões no setor e aumento do endividamento dos produtores. E a pressão para que o governo renegocie essas dívidas deve aumentar. (CB)