Título: Pessimismo domina colheita de soja no MT
Autor: Cibelle Bouças
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2006, Agronegócios, p. B12

Grãos Para produtores do Estado, crise de liquidez do ano passado tende a se aprofundar nesta safra 2005/06

Argino Bedin é considerado o "pai da soja" em Sorriso, no Mato Grosso, onde começou a plantar em 1982. De lá para cá, investiu e transformou-se em um dos maiores agricultores da região, protagonista e beneficiário da explosão do grão no Centro-Oeste - que, impulsionado pelo câmbio favorável às exportações, transformou Sorriso no principal pólo de produção de seu Estado e do país. Mas Bedin está preocupado. Na safra passada (2004/05), teve suas margens de lucro corroídas por uma crise de liquidez determinada por custos altos, preços baixos, dólar fraco e elevado endividamento. Neste início de comercialização da colheita da temporada 2005/06, encara praticamente o mesmo quadro. Os insumos para o plantio, atrelados à moeda americana, foram mais baratos, mas o frete subiu, o câmbio piorou e os preços tendem a cair mais. Para pagar e lucrar com os 10 mil hectares que cultivou, Bedin calcula diariamente o preço das sacas que colherá a partir desta semana. "Preciso de R$ 21 por saca para fazer frente ao meu custo de produção. Hoje a saca está a R$ 18 e uma hora, durante a colheita, vai chegar a R$ 15". Como o cenário na época do plantio era adverso, o produtor acompanhou o fluxo e não fechou vendas antecipadas com preços pré-fixados, à espera de melhores condições de preço ou câmbio. Isso não aconteceu. "Em algum momento, serei obrigado a vender a colheita para honrar compromissos", diz. Se a saca cair a R$ 15, será a mais baixa cotação na região de Sorriso desde 2001, quando foram fechados negócios a R$ 13, segundo levantamento da Agência Rural. No último dia 30 o preço estava em R$ 20,50, 6,8% menos que nesta mesma época de 2005. Seneri Paludo, analista da consultoria, afirma que é cedo para prever o "piso" no mercado mato-grossense, tendo em vista que a maior parte das lavouras está em fase de desenvolvimento e o clima tem se demonstrado irregular no Estado. "Os preços internacionais estão oscilando com as notícias sobre a safra na Argentina", acrescenta Paludo. De janeiro a março, historicamente as cotações da soja na bolsa de Chicago oscilam de US$ 5,50 a US$ 6,30 por bushel. Ontem, os contratos para maio fecharam a US$ 6,0675, baixa de 2,75 cents. Em Paranaguá (PR), segunda principal saída das exportações nacionais do grão, a saca está em R$ 30, mas o frete, que hoje representa mais de 30% do preço, é descontado do produtor. Com preços abaixo do custo de produção, a maioria dos produtores mato-grossenses mantém as vendas em ritmo lento. Segundo a Agência Rural, até 10 de janeiro somente 24% da soja plantada estava comprometida com vendas antecipadas a preços pré-fixados. Uma parcela maior também está comprometida, mas com a troca por insumos realizada no ano passado para o plantio. Elton Hamer, que plantou 620 hectares de soja em Sorriso e Nova Ubiratan, não fez vendas antecipadas com preços pré-fixados. Em 2005, desfez-se de imóveis para pagar dívidas e não espera ganhar com a soja o suficiente para arcar com dívidas no ciclo atual. Entre 2002 e 2003, Hamer comprou duas colheitadeiras por R$ 230 mil cada e paga por ano R$ 70 mil em prestações. "É o segundo ano seguido de preços baixos. Na melhor das hipóteses vou bancar os custos do plantio". Em dólar, estima-se que o custo de produção varia de US$ 450 a US$ 480 por hectare no Mato Grosso, ou US$ 9 por saca. Hoje, de acordo com o analista Seneri Paludo, o preço no Estado é de US$ 9,30. Valdir Correa da Silva, diretor secretário da Fundação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), calcula que a produtividade no Estado precisaria alcançar 60 sacas por hectare para que produtores possam arcar com as dívidas de financiamento, mas a média alcançada no Estado tem sido de 50 sacas por hectare. Até o momento, a colheita atingiu 7% da área plantada no Estadosendo que em algumas praças, como Lucas do Rio Verde, o percentual chegou a 30%. Dados do Instituto Matogrossense de Economia Agrícola (IMEA-MT) apontam que o endividamento dos produtores no Estado chega a R$ 3 bilhões - excluindo valores referentes ao Pesa (programa de securitização e saneamento de ativos). Com o quadro atual, segundo Silva, "o setor pedirá novamente a securitização". Com as dívidas, segundo a Famato, cresce no Mato Grosso a adesão de produtores ao movimento de devolução de máquinas agrícolas. A entidade estima que mil produtores estão negociando a entrega de máquinas como pagamento de dívidas junto aos bancos. "Se os produtores não renegociarem as dívidas, como conseguirão financiar o plantio da próxima safra?", questiona Luiz Nery Ribas, secretário executivo da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT). Nilson Leo Sauer, diretor da revenda de insumos Agricenter, de Feliz Natal, diz que o acesso ao crédito, para ele, também está difícil. A empresa costuma faturar de US$ 550 mil por ano, mas enfrentou uma redução de 20% nas vendas de fertilizantes e defensivos nesta safra. "As indústrias não aceitam devolução do insumo estocado. Fico com estoque alto e sem capital de giro para a próxima safra", afirma Sauer. Outra alternativa para reduzir custos é o esmagamento de soja nas fazendas visando à utilização do óleo degomado como combustível, em substituição ao diesel - o que reduziria o gasto com combustível de R$ 2 por litro para R$ 1,04. Clayton Bortolini, diretor de pesquisa da Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Integrado de Rio Verde (Fundação Rio Verde), diz que na região de Lucas do Rio Verde fazendeiros estão implantando mini-unidades de esmagamento, com custo médio de R$ 15 mil, para produzir óleo voltado ao consumo próprio.