Título: O protesto do contribuinte devedor
Autor: Zanon de Paula Barros
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"O protesto servirá somente para coagir o devedor e onerá-lo com as custas cobradas pelos cartórios de protesto"

Seguindo o modelo adotado pela Fazenda do Estado de São Paulo em 2005, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estuda levar a protesto créditos decorrentes de obrigações tributárias, resultando na inscrição devedores nos serviços de proteção ao crédito. É indiscutível ser obrigação da Fazenda usar todos os meios ao seu alcance para coagir os contribuintes inadimplentes a pagarem os tributos que devem. Porém, há limites para a sua atuação. Para Fran Martins, tratando de títulos de crédito, o protesto serve para "garantir ao credor o direito de execução do título contra o obrigado principal bem como contra os que se obrigaram anteriormente" ("Títulos de Crédito", Editora Forense, 3ª edição). Há, ainda, o protesto destinado a configurar a mora do devedor, como meio de se lhe pedir a falência. A Lei nº 9.492, de 1997, define o protesto como ato formal para prova da inadimplência de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Uma vez definitivamente constituída a obrigação tributária pelo lançamento e não cumprida por parte do devedor, cabe à Fazenda pública cobrá-la pelo processo de execução. O título necessário e suficiente para isso é a certidão da dívida ativa, emitida após a inscrição do crédito na dívida ativa da Fazenda pública competente, nos termos da Lei nº 6.830, de 1980. E na falência? O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece, no artigo 186, que o crédito tributário prefere a qualquer outro, ressalvados os decorrentes da lei trabalhista ou de acidente de trabalho. Ressalva o parágrafo único deste artigo, ainda, a precedência das importâncias passíveis de restituição, dos créditos extraconcursais e os com garantia real. Finalmente, o artigo 187 do CTN determina que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. Portanto, o protesto dos créditos tributários conforme o pretendido servirá somente para coagir o devedor - com a inscrição do seu nome nos serviços de proteção ao crédito, dificultando-lhe as atividades - e onerá-lo com as custas cobradas pelos cartórios de protesto.

A forma e os meios de cobrança da dívida tributária são os expressos na Lei nº 6.830, onde não há protesto

Será lícita a pretensão da Fazenda Nacional? A Lei nº 9.492/97 permite o protesto de qualquer título de dívida. Ocorre que a atuação da administração pública está limitada, entre outros, pelo princípio da moralidade, como determina o "caput" do artigo 37 da Constituição Federal. Este princípio, é evidente, não homenageia o ato que determina o protesto da dívida ativa com o fim único de criar dificuldades ao devedor na sua vida privada. E é tanto mais imoral quando, como nos informam as notícias, só os pequenos devedores terão suas dívidas levadas a protesto. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem repudiado, por inconstitucionais, os atos deste jaez, como se vê na Súmula nº 323 da corte, que diz que "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos", e na Súmula nº 547, que estabelece que "não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais". Por outro lado, o Código Penal brasileiro, em seu artigo 316, parágrafo 1º, tipifica como crime de excesso de exação o ato de autoridade que cobra tributo que sabe ou deve saber indevido ou emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso que a lei não autoriza. Ora, o desnecessário protesto da dívida do contribuinte, para dificultar-lhe a atividade e obrigá-lo a desembolsar mais do que o valor devido (em razão do acréscimo das custas do cartório), é indiscutivelmente cobrança gravosa que a lei não autoriza. Além disso, é ato vexatório, pois quem tem seu nome nos registros de proteção ao crédito é visto como pessoa de pouca honestidade. Prova disso são os sucessivos casos de indenização por danos morais decorrente de indevida inscrição de pessoas nos serviços de proteção ao crédito. E o mais absurdo é que o contribuinte que pagar em cartório, evitando o protesto e os constrangimentos dele decorrentes, pagará tributo sobre tributo, uma verdadeira aberração tributária. Isso porque estará pagando uma obrigação tributária sobre a qual incidirão as custas do cartório, que nada mais são do que tributos (taxas), como já se manifestou a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 612.780 - RO, publicado no Diário de Justiça de 17 de outubro de 2005, negando a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre os emolumentos cartorários: "III - Ademais, incabível a cobrança do aludido tributo, sob pena de ocorrência de bitributação, eis que os emolumentos exigidos pelos cartórios servem como contraprestação dos serviços públicos prestados, caracterizando-se como taxa". A forma e os meios de cobrança da dívida tributária, portanto, são os expressos na Lei nº 6.830/80, onde não se acha o protesto. Querer a Fazenda pública solucionar seus problemas de ineficiência, usando contra o contribuinte meios desnecessários, gravosos e vexatórios, além de incorrer no vício da inconstitucionalidade, sujeitará os responsáveis às penas do crime de excesso de exação.