Título: Condenado ao êxito
Autor: Jorge Félix
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2004, Eu & Fim de Semana, p. 6

O jornalista Roberto Marinho, morto no ano passado, aos 98 anos, pensou algumas vezes em escrever sua biografia. Nunca venceu a força de uma privacidade imposta pela educação da sua geração. Uma reserva quase obrigatória, bem diversa desta vida para o público criada pela cultura das celebridades. Ainda hoje, a elegância do início do século 20 pode ser uma das explicações para privar o leitor brasileiro da versão da história contada pelo ponto de vista de alguns ricos personagens. Além de Roberto Marinho, pode-se citar ainda a socialite Carmen Mayrink Veiga, o banqueiro José Luiz Magalhães Lins e outros. Louva-se agora a notícia de que Danuza Leão aceitou sair desta lista. Seja em comunicação ou história, é sempre melhor ouvir a versão do protagonista. Sem desmerecer outros relatos que possam ser publicados no futuro. Nos ensaios para contar sua vida, Roberto Marinho chegou a escolher - ou melhor, cravar - um título de sua preferência: "Condenado ao Êxito". A biografia escrita pelo jornalista Pedro Bial e publicada pela Jorge Zahar Editor desprezou o título, optando por um simples "Roberto Marinho" (400 páginas, R$ 29,50), mas acatou-lhe o sentido em toda a plenitude. Impossível fazê-lo de outra forma, já que o livro integra a "Coleção Memória Globo". Nas primeiras 20 páginas, o próprio Bial trata de se adiantar e poupa o leitor da pergunta: "Não, esta não é uma biografia não-autorizada; sim, esta é uma biografia autorizada." Se souber ler com o indispensável critério, o leitor perdoará Roberto Marinho por não tê-la escrito em vida e agradecerá Bial por oferecer um trabalho com informações devidamente fundamentadas em dados ou depoimentos. O autor garante que o livro foi lido pelos três filhos de Roberto Marinho e quase nada foi modificado no texto original. Com a vida de Roberto Marinho nas mãos, Pedro Bial soube exercer o poder e a confiança que lhe foram conferidos. Sacou uma linha a seguir: levar algo de humano à vida de um mito, um ser inatingível para a maioria dos brasileiros, ou, como o autor prefere, uma divindade. "Ninguém sabe ou sabia nada sobre a vida dele, parece que sempre foi aquele ancião, e o livro talvez seja interessante por que mostra a infância, a juventude, a vida antes de ele se tornar o personagem que todos conhecerem mais", explica Bial. A aventura foi bastante difícil para o jornalista - dividido entre o livro, o "Fantástico" e o "Big Brother", programas da Rede Globo. Começou pouco tempo antes da morte de Roberto Marinho em 6 de agosto de 2003. Um dos repórteres de maior prestígio na Central Globo de Jornalismo, Bial foi chamado ao "Jornal Nacional" para preparar a matéria de maior responsabilidade de todos os tempos: o obituário do doutor Roberto. "Era delicadíssimo, mas o fato é que nós, jornalistas, preparamos obituários antes de as pessoas morrerem", conta. Embora desde 1999 o projeto "Memória Globo" reunisse pesquisa e entrevistas, Bial refez muitas delas. Um dos melhores amigos de Roberto Marinho, José Aleixo, resistiu muito. O banqueiro José Luiz Magalhães Lins, idem. Mas o advogado Jorge Serpa foi quase considerado caso perdido. Até ceder e conceder três depoimentos. A viúva Lily, com quem o empresário viveu por 14 anos, foi econômica na entrevista com Bial, mas, corajosa, está lançando sua própria versão, "Roberto & Lily" (Record, 192 páginas, R$ 44,90). A favor do leitor, portanto, houve o compromisso do repórter. Bial toca em todos os pontos polêmicos. Em todos, cumpre a função básica de apresentar a versão dos dois lados, didaticamente. No caso Time-Life, a participação de capital estrangeiro na formação da TV Globo, na época uma proibição legal, abre dois parágrafos, um para a acusação e outro para a defesa. Nem pensa em chegar a conclusões, apenas enumera argumentos, como o de que o caso Time-Life abrigava muito de uma briga de concorrência com Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados. A campanha das "Diretas-já" é vista como a resistência de Roberto Marinho a ajudar a pintar o fim do regime militar - o qual apoiou - com as tintas da derrota. No entanto, ele aceita os fatos como bom empresário de comunicação: ou seja, pressionado pela opinião pública. A edição do último debate entre os candidatos à Presidência da República na eleição de 1989 pegou um Roberto Marinho já distante do dia-a-dia da emissora. "Uma vez feito, não o desagradou, com certeza, e mesmo que tivesse desagradado ele não desautorizaria seus diretores, como era de seu feitio de administrador", reconhece Bial. Essas intervenções ou afirmações ganham a confiança do leitor. Em 24 anos de Globo, Bial teve apenas três encontros com o doutor Roberto. "Tinha a visão dele que todos têm. Quando consegui escrever Roberto, em vez de doutor Roberto, falei :caramba!", relata. O livro corre o risco de deixar o leitor sem tanta intimidade com o empresário, mas, certamente, por meio de diversos episódios da história do Brasil e centenas de personagens, quebra o gelo entre o brasileiro e aquele que por meio século foi chamado de o homem mais poderoso do país.