Título: Duas décadas de libertação sexual
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2010, Brasil, p. 10

Há 20 anos, a Organização Mundial de Saúde tirou a homossexualidade da relação de doenças mentais previstas pela entidade, uma conquista celebrada por organizações sociais de todo o planeta

Doença e coisa do demônio. Eram com essas definições que a família do vendedor Adriano Rogério Cardoso, 20 anos, caracterizava sua homossexualidade. Desde que decidiu assumir a orientação sexual, aos 14 anos, para seus parentes, Adryan, como gosta de ser chamado, foi convidado a passar uma temporada em um internato evangélico em Uberlândia (MG). A instituição diz curar gays por meio de cultos para limpar alma. Meus familiares são todos evangélicos e ficaram chocados quando contei minha opção. Quando me procuraram para me internar, cortei na hora. Agora, em relação aos cultos realizados na minha casa, aceitei, já sabendo que não teriam qualquer efeito. Sempre fui decidido e nunca acreditei nessa história de reversão, afirma. O relato do jovem não é exceção. Assim como ele, milhares de brasileiros e estrangeiros são submetidos a tratamentos que prometem torná-los heterossexuais. Amanhã faz 20 anos que a assembleia geral da Organização Mundial de Saúde (OMS(1)) decidiu retirar a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Cinco anos antes da histórica decisão do órgão, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro já tinha deixado de considerar a homossexualidade como desvio sexual. Em 1999, o CFP baixou uma resolução que reforça o tom e estabelece regras para a atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual (leia quadro). Foi um momento histórico e importante, com outras decisões, para proteger os direitos humanos. À época, os 16 conselhos regionais referendaram a decisão e os movimentos dos homossexuais fizeram grandes manifestações de apoio, lembra Ana Bock, então presidente do CFP e responsável por assinar a resolução que criou as normas. Hoje secretária executiva da União Latino-americana de Entidades de Psicologia (Ulapsi), Ana explica que pode haver mal entendido no consultório. Às vezes, os profissionais usam a palavra cura como forma de tentar resolver algum sofrimento do paciente, hetero ou homossexual, acrescenta. Apesar de não ter recorrido a um psicólogo, Adryan chegou a sair de casa aos 17 anos por conta da pressão familiar. Não suportei. Eram muitas brigas. Hoje eles já me respeitam, conta. Abandonado pelos pais biológicos desde pequeno, o jovem foi criado pelos avós paternos. Eles são minha família, mesmo com todos os conflitos. Quando estava morando na França e soube que minha avó estava internada, voltei correndo. Atualmente, moro com eles e ninguém me pergunta nada. A atual boa relação que mantém com os parentes diverge da época em que revelou a opção sexual. Meu pai biológico chegou a me procurar com um revólver para me matar quando soube que eu era homossexual, revela. Há 20 anos, o Código Internacional de Doenças (CID) 302.0 classificava o homossexualismo como doença mental. Além da retirada da lista da OMS, o novo entendimento em relação à opção sexual também eliminou o sufixo ismo, que remete a enfermidade. Foi um grande avanço. No entanto, 76 países ainda criminalizam uma pessoa LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgênero), e outras cinco nações punem com a pena de morte, observa o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Toni Reis. Segundo relatório anual da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA), a pena de morte para o segmento é adotada no Irã, na Arábia Saudita, no Iêmen, na Nigéria, e em Uganda.