Título: Dúvidas sobre a política monetária
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Brasil, p. A2

O presidente do Banco Central do Brasil pronunciou conferência no Rio de Janeiro e disse coisas muito interessantes para justificar a política monetária que tem, desde 1994, mantido o Brasil como o campeão dos juros reais do mundo. Sua pregação deixou muitas dúvidas. Antes de mais nada é preciso dizer que todos reconhecem no dr. Meirelles um homem competente e patriota. Para servir melhor ao Brasil, teve o desprendimento de renunciar ao mandato de deputado federal, brilhantemente conquistado no seu Estado, Goiás, onde seu futuro e ascensão política pareciam assegurados. As eventuais críticas que lhe fazem não o atingem, portanto, mas à política monetária que sob sua liderança tem sido feita pelo Banco Central do Brasil. Da mesma forma, o elogio à brilhante política monetária, coordenada com a política fiscal do primeiro trimestre de 2003, não se refere à pessoa física do dr. Meirelles, mas à escolha daquele curso de ação. Nos dois casos, ele continua o mesmo cidadão probo e competente. A política que orienta - esta sim - pode e deve ser criticada ou elogiada sem que isso o atinja de qualquer maneira. A técnica expositiva do dr. Meirelles é muito eficaz para impressionar os auditórios. Ele nunca justifica a sua ação. Está permanentemente na defesa preventiva com "slogans": 1) "Não há crescimento sem estabilidade"; 2) "Quem nos critica acredita que um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento"; 3) "A tarefa do Banco Central é reduzir a taxa de inflação: o crescimento é problema da sociedade". São meias verdades e algumas contraditórias entre si. São todas variantes do mesmo mote: "Quem nos critica é a favor da inflação e de políticas populistas já experimentadas no passado e que não deram certo". É verdade que tais críticas existem. São produto da sólida ignorância de certos setores (que se pensam como "esquerda"), que nos últimos 50 anos não aprenderam nada e, em compensação, não esqueceram nada! Eles estão em extinção por seleção natural: não tendo neuroplasticidade interna para adaptar-se às mudanças do mundo, vão se indo sem deixar rastro. Paradoxalmente, recebem, com freqüência, uma dose de oxigênio, que lhes dá visibilidade e sobrevida, das próprias ações do Banco Central impropriamente justificadas. Um exemplo recente e muito importante refere-se à política monetária iniciada no terceiro trimestre de 2004 (quando o PIB estava rodando à taxa de 5%) e continuada até o quarto trimestre de 2005 (quando a economia já estava rodando a menos de 2%). Diante de duas restrições, uma mítica e outra arbitrária, o Copom achou prudente exagerar a dose de radiação letal de juro real sobre o PIB, elevando-o a 13%. A restrição mítica é a resultante de múltiplos cálculos do próprio Banco Central para "provar" que o "produto potencial" da economia brasileira é de 3,5%, que agora parece rejeitada pelo dr. Meirelles. A restrição arbitrária foi o acréscimo de 0,6% sobre a "meta" (ridícula) de 4,5% para 2005, construída através de um "rocambole" aritmético escondido num dos Relatórios de Inflação do Banco Central.

O BC diz meias verdades contraditórias entre si

A justificativa é que existiria clara tendência ao aumento da inflação no quarto trimestre de 2004 e no primeiro de 2005, refletida, inclusive, nas "expectativas de inflação para os próximos 12 meses". Talvez o Banco Central possa demonstrar esse fato, mas há, pelo menos, sérias dúvidas sobre ele quando se olha pedestremente os números. O gráfico abaixo revela o crescimento do PIB e a taxa de inflação dos preços livres (mais sensíveis à demanda global) medidos entre cada trimestre e seu homólogo do ano anterior (1º /2004) contra (1º /2003). O número entre parênteses, por exemplo, 1º /2004 (5,75%) é a taxa de inflação esperada (IPCA) nessa data para 12 meses à frente e, portanto, ao alcance da política monetária iniciada em setembro de 2004. O gráfico não contém o quarto trimestre de 2005 por falta da estimativa do PIB, mas certamente ele revelará o desastre ainda maior da política monetária. A não ser que uma análise mais sofisticada mostre a "iminência de um surto inflacionário causado por excesso de demanda" (não por fatores sazonais ou acidentais) que justifique a enorme dureza da política monetária, não há desculpa para a destruição do PIB e o comprometimento da política fiscal produzida pela ação do Banco Central. Em compensação, ela deu um enorme estoque de oxigênio para a sobrevivência dos "Tyrannosaurus Rex" que se alimentam do despreparo dos políticos "progressistas"...